HOJEMACAU - O DESPERTAR ESTRATÉGICO DA ALEMANHA (II) 1PARTE
Há um tipo de silêncio que não repousa. Um silêncio que pulsa, que vibra e que se disfarça de urgência. É o silêncio do corpo em alerta, da mente em sobressalto e da alma em constante vigília. Chamam-lhe stress, mas há quem o trate como companheiro, como combustível e como vício. E talvez seja isso que se torna; uma dependência subtil, uma necessidade disfarçada de produtividade e uma inquietação que se veste de propósito.
O stress não chega sempre como inimigo. Às vezes, entra pela porta da frente, com o nome de ambição, com o rosto da responsabilidade e com o perfume da superação. E quem o acolhe, fá-lo com entusiasmo, com orgulho e com a convicção de que estar ocupado é estar vivo. Mas há uma linha ténue entre o empenho e o esgotamento, entre o foco e a obsessão e entre o ritmo e o atropelo. E é nessa linha que o vício se instala.
O corpo, esse sábio cúmplice, aprende a responder. Liberta adrenalina, acelera o coração e dilata as pupilas. O cérebro, por sua vez, oferece dopamina; a mesma que se acende com o prazer, com o jogo e com o risco. E assim, o stress deixa de ser apenas resposta a uma ameaça. Torna-se estímulo, recompensa e hábito. A pessoa sente-se viva quando corre contra o tempo, quando enfrenta prazos e quando resolve crises. E quando tudo acalma, estranha o sossego, teme o vazio e procura nova urgência.
Há quem confunda este estado com paixão. Com entrega. Com vocação. Mas o stress viciante não é amor ao trabalho; é medo do silêncio. É receio de parar e descobrir que não se sabe estar. É fuga disfarçada de empenho. É o corpo que não sabe descansar, a mente que não sabe desligar, o espírito que não sabe habitar o presente.
A cultura contemporânea alimenta este ciclo. Exalta a produtividade, glorifica a ocupação e celebra o multitasking. Ser ocupado é ser importante. Ser exausto é sinal de esforço. E quem ousa parar, quem escolhe o descanso, é visto como fraco, como preguiçoso e como descomprometido. O stress torna-se medalha, distintivo e identidade. E quanto mais se vive nele, mais difícil é viver fora dele.
Mas há um preço. O corpo começa a falhar. A fadiga instala-se. O sono torna-se leve, fragmentado. A memória escapa. A pele denuncia. O coração protesta. E mesmo assim, há quem insista. Porque parar é perder o ritmo. Porque descansar é enfrentar o que se evitou. Porque o stress, embora doloroso, é familiar. E o familiar, mesmo tóxico, oferece conforto.
A mente, habituada à excitação, rejeita o repouso. O sistema nervoso, treinado para a urgência, estranha a calma. E assim, o stress deixa de ser resposta e passa a ser necessidade. A pessoa procura situações que o provoquem, escolhe caminhos que o garantam, envolve-se em dinâmicas que o sustentem. E quando tudo parece resolvido, inventa novos problemas, novos desafios e novas corridas.
Este vício não se reconhece facilmente. Não há substância, não há objecto e não há ritual. Há apenas um padrão; a incapacidade de parar. A dificuldade em estar. A compulsão por fazer. E quem vive assim, muitas vezes, não se dá conta. Acredita que está a ser útil, produtivo e eficaz. Mas por dentro, há um cansaço que não se nomeia, uma inquietação que não se acalma e uma ausência que não se enfrenta.
A cura começa na escuta. Na coragem de parar. No gesto de desacelerar. No reconhecimento de que o valor não está na velocidade, mas na presença. Que o mérito não está na exaustão, mas na consciência. Que o sucesso não se mede em tarefas cumpridas, mas em paz interior. Desaprender o vício do stress é reaprender o tempo. É aceitar o intervalo, o vazio, o silêncio. É permitir que o corpo respire, que a mente repouse e que o espírito se reencontre. É descobrir que há vida para além da urgência, que há sentido para além da ocupação e que há beleza na pausa.
E talvez seja esse o maior desafio o de reconhecer que o stress, embora útil em momentos pontuais, não pode ser casa, não pode ser identidade e não pode ser vício. Que viver não é correr, mas caminhar. Que existir não é produzir, mas sentir. Que ser não é fazer, mas estar.