JORGE RODRIGUES SIMAO

ADVOCACI NASCUNT, UR JUDICES SIUNT

A crescente influência da China na América do Sul

China and Latin America and the Caribbean, trade and cooperation in the 21st century

International Trade and Integration

China

“A major talking point in the U.S. media today is the alleged weakening of American influence in the world. The common perception is that power is shifting to East Asia, and particularly to China, with ramifications globally and especially close to home in Latin America.”

China`s Growing Presence in Latin America: Implications for US and Chinese Presence in the Region

Michael Cerna

O presidente americano James Monroe, em 1823, ao criar a célebre doutrina da não permissão de ingerência da Europa nos Estados Unidos que ficou conhecida, também, pela famosa frase da “América para os americanos” iniciou uma duradoura e forte história de travar todas as tentativas de obter influência política na América do Sul.

A atenção dos Estados Unidos nos últimos anos concentrou-se no Iraque e Afeganistão, a região que sempre foi considerada uma das suas retaguardas em termos de estratégia geopolítica foi descendo cada vez mais na lista das suas prioridades, pese o facto de reaparecer novamente, em apoio das forças governamentais do Iraque contra o movimento social e armado, considerado grupo terrorista, que tem presente a Al-Qaeda e designado por Estado Islâmico do Iraque e do Levante (ISIS na sigla inglesa).

 O ISIS declarou a 29 de Junho de 2014, no seguimento da declaração de independência de 3 de Janeiro de 2014, a criação de um Califado Islâmico que engloba superfícies territoriais da Síria e do Iraque, com capital em Mosul, cujo poder é alicerçado nos ritos jurídico-religiosos do islão ortodoxo (sharia ou lei islâmica) como é o Wahhabismo, e segue os princípios da jihad mundial, como uma evolução surgida nas últimas duas décadas com acento tónico nas revoluções reivindicativas do mundo árabe muçulmano sunita.

 

A China não esperou muito tempo para ocupar o espaço vazio esquecido pelos Estados Unidos, tal como defende Michael Cerna, num texto intitulado “ China`s Growing Presence in Latin America: Implications for US and Chinese Presence in the Region”, publicado em 15 de Abril de 2011, no China Research Center. O emergir económico da China na última década originou repercussões em toda a região provocando alterações na política económica e reordenamento dos mercados.

Ainda que, sendo admirável este crescimento, os números enfraquecem quando comparados com os dados estatísticos americanos na sua relação comercial com a América do Sul. Os Estados Unidos ainda detêm mais da metade do comércio total, que foi superior a 600 mil milhões de dólares em 2013.

A participação dos Estados Unidos no comércio total com a América do Sul permaneceu praticamente estático, e a partir dessa data tem vindo a diminuir paulatinamente, enquanto a China cerra mais espaços vazios, em alguns países, cada ano, tendo superado a potência americana nas trocas comerciais com o Brasil. A Rússia retomou a sua presença militar na região, através da Venezuela. O Irão intensifica relações diplomáticas com a América do Sul e Central. A África do Sul aumenta as suas ligações políticas com os países sul-americanos.

A Índia concentra-se igualmente no continente sul-americano. Os cinco países de economias emergentes procuram na América do Sul fornecedores de matérias-primas, consumidores, o reforço dos acordos em matéria energética no âmbito mundial de revalorização dos hidrocarbonetos e de uma maior competição pelo seu controlo. O continente sul-americano conjuntamente com o seu renascimento económico depara-se com o inusitado crescimento de interesse do distante Oriente. Após décadas de arrasadoras crises económicas, o continente tem apresentado um crescimento sem antecedentes.

A taxa média anual de crescimento do PIB da América do Sul, em 2013, segundo as projecções do FMI foi de 3,4 por cento, quase o dobro da média do resto do mundo, levando vários países a formar entidades supranacionais e blocos comerciais para promover ainda mais o crescimento do continente. A Aliança do Pacífico (AP) é uma das s entidades, fundada com o fim específico de aumentar as relações com a Ásia, sendo países membros o Chile, Colômbia, México e Peru, que em conjunto representam a metade da totalidade das exportações regionais e 35 por cento do seu PIB.

A Costa Rica e o Panamá são países candidatos a membros. Os países observadores são a China, Estados Unidos, Coreia do Sul, Japão, Austrália, Nova Zelândia, Canadá, Guatemala, Honduras, República Dominicana, El Salvador, Paraguai Uruguai, Equador, Espanha, Portugal, Turquia e França. A Alemanha, Itália, Suíça e Reino Unido são países candidatos a observadores. Aquando da VII Cimeira da AP, realizada em Bogotá, a 29 de Maio de 2013, foi celebrado um acordo tendo por objectivo a abertura das economias dos seus países membros aos mercados asiáticos.

Os Estados Unidos, apesar de terem sido convidados, não compareceram. Todavia, o vice-presidente americano visitou a Colômbia, Trindade e Tobago e o Brasil no mesmo mês, tendo estado na mesma data neste último país com o presidente da China. Os dois líderes tiveram encontros com os presidentes dos países sul-americanos tendo discutido acordos de comércio e cooperação, mas o resultado das viagens de ambos foram distintos. A viagem do presidente chinês foi a primeira visita de um alto funcionário estatal à região em quase uma década e considerada de ocasião histórica, tendo ambos os países acordado em aumentar as suas relações comerciais.

O presidente chinês celebrou na Costa Rica um acordo de abertura de uma linha de crédito de quatrocentos milhões de dólares destinada à construção de uma estrada que atravessa o país. A Costa Rica era o único país da América do Sul que não reconhecia Taiwan como parte integrante da China. A contrapartida da ajuda concedida pela China foi a interrupção das  relações da Costa Rica com Taiwan. A visita do presidente chinês ao México foi mais importante, pois tem deficit comercial com a potência asiática de quarenta e cinco mil milhões de dólares e pretende estreitar as relações bilaterais, o que tem um enorme impacto estratégico, uma vez que o México é o maior parceiro comercial dos Estados Unidos no mundo.

A visita do vice-presidente americano não teve tanto sucesso. A sua deslocação a Trindade e Tobago foi considerada de violenta e difícil; na Colômbia consideraram que foi uma tentativa de corrigir a infeliz frase do Secretário de Estado de ter chamado a América do Sul de quintal traseiro dos Estados Unidos não tendo conseguido assinar nenhum acordo com a Colômbia e Brasil.

 Talvez o investimento mais importante da China no continente sul-americano deveu-se à decisão do congresso da Nicarágua de permitir que uma companhia chinesa construa um canal que atravesse o país. Ainda que a proposta esteja na fase preliminar de estudo, o projecto representaria uma profunda alteração na geopolítica da região e do mundo. Se o canal for construído poderá ter um impacto significativo no comércio que se realiza através do Canal de Panamá que, sendo em parte controlado pelo país, foi construído pelos Estados Unidos e é um símbolo do domínio histórico da potência ocidental.

 O domínio americano está em declínio após décadas de indiscutível influência na região e alguns líderes sul-americanos começaram a seguir políticas antiamericanas. O mais estrepitoso foi o falecido presidente Hugo Chávez, que sempre manifestou a viva voz o seu desprezo pelos Estados Unidos, secundado pelo presidente da Bolívia que expulsou a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID na sigla inglesa) do país e proibiu a venda de Coca-cola.

O Equador está a passar por difíceis relações com os Estados Unidos, devido ao asilo que concedeu na sua embaixada ao ex-programador da CIA e do NSA, Edward Snowden. A falta de entendimento entre os dois países levou ao cancelamento de um acordo comercial especial, qualificado pelas autoridades equatorianas como um meio de chantagem.

Além da falta de entendimento dos Estados Unidos com o seu principal parceiro comercial, levanta a questão acerca do motivo para o namoro da América do Sul com a China. A resposta reside no facto da China oferecer simpáticos acordos às economias da região, enquanto os Estados Unidos continuam a repreender e a dar ordens. Os Estados Unidos durante um longo período de tempo usaram os meios mais arrogantes para dizer á América do Sul o que queriam, enquanto o método utilizado pela China é o oposto, ou seja, de oferecer o que necessita.

A maior oferta dos Estados Unidos ao continente sul-americano é o Acordo de Associação Transpacífico (TPP na sigla inglesa) que permite o acesso ao mercado americano segundo a realização de três condições que é desregular os mercados financeiros, aceitar cláusulas de propriedade intelectual que dão preferências às empresas americanas e permitir às empresas americanas propor acções judiciais contra países que violarem qualquer das suas condições.

A China, têm financiado desde o início da década passada, mais projectos à América do Sul que o Banco Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento e alguns bancos dos Estados Unidos juntos, sem condições prévias e com poucos requisitos. A América do Sul é sensível a acordos que contenham condições prévias devido às penosas experiências do passado com o FMI e o Banco Mundial.

A China não conduz a sua política baseada em contingências. Os Estados Unidos devem sair da letargia em que se encontram mergulhados. Todavia, é preciso considerar que o avanço da China na região não se deve automaticamente à perda de hegemonia americana. As exportações americanas e sul-americanas subiram 95 por cento nos últimos cinco anos, as importações 90 por cento no mesmo período e os Estados Unidos continuam a ser o maior investidor estrangeiro na região e mais importante ainda, são os laços culturais e históricos que unem as Américas.

O singular crescimento de influência dos latinos nos Estados Unidos, cria a quase impossibilidade do país perder a sua influência na região a favor da China. Os Estados Unidos necessitam de avançar económica e diplomaticamente para competir com as novas influências numa parte do mundo que foi, largamente considerada como sua esfera de domínio. Distantes estão os dias em que a força militar e a política de subversão podiam assegurar a influência americana na América do Sul ou em qualquer outra parte do globo. Os Estados Unidos necessitam urgentemente de repensar a sua política económica no continente sul-americano. Se não o fizerem rapidamente, poderá ser demasiado tarde.

 

 

Jorge Rodrigues Simão, in “HojeMacau”, 08.09.2014
Share

Pesquisar

Azulejos de Coimbra

coimbra_ii.jpg