Este livro nasceu de uma pergunta que continua a moldar o projecto europeu: Pode o constitucionalismo sobreviver à integração? Num tempo de soberanias partilhadas, transformação digital, urgência climática e fragilidade democrática, o panorama constitucional da Europa está a ser redesenhado não por revolução, mas por evolução.
O Direito Constitucional Europeu: Entre a União e a Nação não é um manual. É um mapa de tensões, diálogos e possibilidades. Explora como o direito da União Europeia e as constituições nacionais colidem, convergem e co-criam uma ordem jurídica pluralista. Examina o papel dos tribunais, o peso da identidade, a ética das fronteiras e a promessa dos direitos digitais e ecológicos.
Esta obra dirige-se a juristas, estudantes, académicos e cidadãos que acreditam que o direito constitucional não se limita a regras e é feito de valores, imaginação e escolhas sobre o futuro que queremos construir. É, simultaneamente, diagnóstico e visão. E, acima de tudo, é uma homenagem à resiliência da democracia constitucional na Europa.
O direito constitucional europeu não vive apenas em textos e precedentes mas manifesta-se em algoritmos, litígios climáticos, corredores migratórios e na consciência dos cidadãos. Os capítulos desta obra traçaram uma jornada desde os princípios fundacionais até aos desafios de fronteira, revelando uma ordem jurídica simultaneamente frágil e formidável.
A União Europeia não é uma entidade constitucional acabada. É um laboratório de pluralismo jurídico, um espaço contestado de soberania e um farol de governação baseada em direitos. A sua força reside não na uniformidade, mas na capacidade de acolher a diversidade dentro de um compromisso comum com a dignidade, a democracia e o Estado de direito.
Perante o populismo, o colapso ecológico e a disrupção digital, o direito constitucional deve evoluir não abandonando os seus valores, mas reinventando a forma como os aplica. O futuro do constitucionalismo europeu será moldado não apenas por juízes e legisladores, mas por coragem cívica, imaginação ética e pela convicção de que o direito pode ser uma força de justiça.
1. A Ideia de uma Constituição Europeia
2. Constituições Nacionais - Diversidade e Elementos Comuns
3. Os Tratados da UE como Instrumentos Constitucionais
4. Supremacia e Primazia - Conflito ou Coexistência
5. Direitos Fundamentais - Carta da UE vs Catálogos Nacionais
6. O Papel dos Tribunais Constitucionais
7. Identidade Constitucional e Resistência Nacional
8. Democracia e Estado de Direito na UE
9. Emendas Constitucionais e Integração Europeia
10. Poderes de Emergência e Resiliência Constitucional
11. Direitos Digitais e Inovação Constitucional
12. Migração, Fronteiras e Ética Constitucional
13. Constitucionalismo Climático e Governação Ecológica
14. Populismo e Retrocesso Constitucional
15. Trajectórias Futuras do Constitucionalismo Europeu
A noção de uma constituição europeia é simultaneamente provocadora e evasiva. Ao contrário dos Estados-nação tradicionais, a União Europeia (UE) não possui um documento fundador único com o título de “Constituição”. No entanto, a sua ordem jurídica exibe muitas das características constitucionais como supremacia, efeito directo, protecção de direitos fundamentais e equilíbrio institucional. Este capítulo explora os fundamentos conceptuais, históricos e teóricos do constitucionalismo europeu.
O pensamento constitucional europeu emergiu das cinzas da II Guerra Mundial. A criação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (1951) e da Comunidade Económica Europeia (1957) lançou as bases para uma governação supranacional. O Tratado de Maastricht (1992) introduziu a cidadania europeia e alargou as competências da UE, enquanto o Tratado de Lisboa (2009) codificou muitos princípios constitucionais, incluindo a Carta dos Direitos Fundamentais.
Uma constituição é mais do que um texto jurídico pois é um símbolo de identidade colectiva e legitimidade. Os tratados da UE, embora sejam acordos internacionais, funcionam como instrumentos constitucionais. Definem estruturas institucionais, distribuem competências e consagram valores como a democracia, o Estado de direito e os direitos humanos.
Os académicos debatem se a UE possui uma constituição. O pluralismo constitucional defende que múltiplas ordens constitucionais coexistem, sem uma hierarquia única. O constitucionalismo multinível enfatiza a interacção entre os sistemas jurídicos da UE e dos Estados-membros. As teorias de pós-soberania argumentam que a UE transcende o modelo estatal tradicional, criando uma nova forma de constitucionalismo transnacional.
O Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) desempenha um papel central na constitucionalização do direito da UE. Através de doutrinas como a supremacia (Costa v ENEL) e o efeito directo (Van Gend en Loos), o TJUE elevou o direito da UE acima das legislações nacionais. O Parlamento Europeu, a Comissão e o Conselho também contribuem para o tecido constitucional ao moldarem legislação e políticas.
Apesar das suas características constitucionais, a UE enfrenta críticas. O défice democrático como a influência limitada dos cidadãos nas decisões da UE continua a ser uma preocupação. O fracasso do Tratado Constitucional de 2004 revelou resistência à formalização do constitucionalismo europeu. Movimentos populistas na Hungria, Polónia e noutros países desafiam a primazia do direito da UE, invocando a identidade constitucional nacional.
A UE é uma entidade constitucional em evolução. A sua ordem jurídica reflecte um modelo híbrido não sendo uma federação, nem uma confederação. Compreender esta complexidade é essencial para analisar como as constituições nacionais interagem com este quadro, tema que será aprofundado nos capítulos seguintes.
· Weiler, J.H.H. The Constitution of Europe. Cambridge University Press, 1999.
· Grimm, D. Constitutionalism: Past, Present, and Future. Oxford University Press, 2016.
· Craig, P. EU Constitutional Law: An Introduction. Oxford University Press, 2022.
· Popelier, P., Nicòtina, A., Bursens, P. EU Law and National Constitutions. Routledge, 2023.
· Relatório do Conselho da Europa: European Convention on Human Rights and National Constitutions, 2023.
CAPÍTULO II
CONSTITUIÇÕES NACIONAIS, DIVERSIDADE E ELEMENTOS COMUNS
As constituições nacionais são os pilares jurídicos e simbólicos dos Estados europeus. Cada uma reflecte uma história própria, cultura política distinta e uma concepção particular de soberania, direitos e governação. No entanto, apesar da diversidade, existem elementos comuns que permitem uma conversa constitucional entre os Estados-membros da União Europeia. Este capítulo analisa essa diversidade e identifica os traços partilhados que sustentam o constitucionalismo europeu.
A. Constituições Codificadas vs não Codificadas
· A maioria dos Estados europeus possui constituições escritas e codificadas (ex. Portugal, Alemanha e Itália).
· O Reino Unido a título de exemplo, mantém uma constituição não codificada, baseada em convenções, jurisprudência e textos legais dispersos.
B. Constituições Rígidas vs Flexíveis
· Constituições rígidas exigem procedimentos agravados para alteração (ex. Alemanha e Espanha).
· Constituições flexíveis permitem reformas por maioria parlamentar simples (ex. Dinamarca).
C. Modelos de Separação de Poderes
· Sistemas parlamentares (ex. Portugal e Suécia) contrastam com modelos semipresidenciais (ex. França) e presidencialistas (ex. Chipre).
· A separação de poderes é um princípio comum, mas com variações institucionais significativas.
· A dignidade é frequentemente consagrada como valor fundacional (ex. Artigo 1.º da Lei Fundamental alemã e Artigo 1.º da Constituição portuguesa).
· Serve de base para a protecção dos direitos fundamentais.
B. Estado de Direito
· O princípio do Estado de direito é transversal às constituições europeias.
· Implica legalidade, controlo judicial, igualdade perante a lei e proibição da arbitrariedade.
· Todas as constituições europeias incluem catálogos de direitos civis, políticos, sociais e culturais.
· A Carta dos Direitos Fundamentais da UE reforça e complementa estas garantias.
· A maioria dos Estados possui tribunais constitucionais ou mecanismos equivalentes.
· O controlo de constitucionalidade é essencial para a protecção dos direitos e da legalidade democrática.
· Sistemas romano-germânicos (ex. França e Itália) contrastam com tradições nórdicas e anglo-saxónicas.
· A cultura constitucional molda a interpretação dos direitos e o papel das instituições.
· Países como Portugal, Espanha e Grécia reformaram as suas constituições após regimes autoritários.
· A memória histórica influencia a centralidade dos direitos e das garantias.
· A Alemanha e a Áustria adoptam modelos federais.
· A Espanha e Itália reconhecem autonomias regionais com competências legislativas próprias.
· Vários Estados alteraram as suas constituições para acomodar a integração europeia (ex. França e Irlanda).
· A compatibilidade com os tratados da UE é frequentemente sujeita a revisão constitucional.
· Alguns tribunais constitucionais invocam cláusulas de identidade para limitar a aplicação do direito da UE (ex. Alemanha e Polónia).
· A tensão entre primado do direito da UE e soberania constitucional é um tema recorrente.
As constituições nacionais europeias são diversas nas formas, mas convergem nos valores. Dignidade, direitos, legalidade e democracia são os pilares comuns que sustentam o diálogo constitucional europeu. Esta diversidade com unidade é a base do pluralismo constitucional que caracteriza a União Europeia. Nos próximos capítulos, exploraremos como os tratados da UE funcionam como instrumentos constitucionais e como interagem com estas constituições nacionais.
· Grimm, D. Constitutionalism: Past, Present, and Future. Oxford University Press, 2016.
· Popelier, P., Bursens, P., & Nicòtina, A. EU Law and National Constitutions. Routledge, 2023.
· Bogdandy, A. von. “The European Constitution and Its National Roots.” European Constitutional Law Review, 2005.
· Constituição da República Portuguesa (1976, com alterações).
· Constituição da República Federal da Alemanha (Grundgesetz).
· Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (2000/2012).
Embora a União Europeia não possua uma constituição formal, os seus tratados funcionam como instrumentos constitucionais. Regulam a distribuição de competências, definem os princípios fundamentais, estruturam as instituições e consagram direitos. Este capítulo analisa como os tratados da UE especialmente os Tratados da União Europeia (TUE) e sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) desempenham funções constitucionais, moldando a arquitectura jurídica e política da União.
· Formalmente, os tratados da UE são acordos entre Estados soberanos.
· Materialmente, funcionam como constituições pois estabelecem regras estruturais, valores e mecanismos de controlo.
· Tratado de Roma (1957): fundou a Comunidade Económica Europeia.
· Tratado de Maastricht (1992): criou a União Europeia e introduziu a cidadania europeia.
· Tratado de Lisboa (2009): consolidou a estrutura institucional e conferiu força jurídica à Carta dos Direitos Fundamentais.
· Artigo 2.º TUE: consagra os valores da dignidade humana, liberdade, democracia, igualdade, Estado de direito e direitos humanos.
· Artigo 3.º TUE: define os objectivos da União, incluindo paz, bem-estar, justiça e desenvolvimento sustentável.
· O TFUE distingue entre competências exclusivas, partilhadas e de apoio.
· O princípio da subsidiariedade (Artigo 5.º TUE) regula a intervenção da UE.
· Os tratados estabelecem o funcionamento do Parlamento Europeu, Conselho, Comissão, Tribunal de Justiça e outras instituições.
· Definem os processos legislativos, orçamentais e de nomeação.
· Estabelecida pelo TJUE no caso Costa v ENEL (1964).
· O direito da UE prevalece sobre o direito nacional em caso de conflito.
· Introduzido em Van Gend en Loos (1963).
· Permite que os cidadãos invoquem normas da UE directamente perante tribunais nacionais.
· Alguns tribunais constitucionais nacionais resistem à aplicação automática dos tratados.
· Invocam identidade constitucional e soberania democrática.
· Proclamada em 2000, tornou-se juridicamente vinculativa com o Tratado de Lisboa.
· Equivale a um catálogo constitucional de direitos.
· Dividida em seis títulos: Dignidade, Liberdades, Igualdade, Solidariedade, Direitos dos Cidadãos e Justiça.
· Aplica-se às instituições da UE e aos Estados-membros quando implementam o direito da União.
· Em 2004, foi proposto um Tratado que formalizaria uma Constituição para a Europa.
· Visava simplificar os tratados e reforçar a legitimidade democrática.
· Rejeitado em referendos em França e nos Países Baixos.
· Revelou resistência à constitucionalização formal da UE.
· O conteúdo essencial foi preservado, mas sem o título de “Constituição”.
· Estratégia de constitucionalismo funcional em vez de simbólico.
· O TJUE interpreta os tratados como textos constitucionais.
· Desenvolve princípios gerais do direito da UE, como proporcionalidade, confiança legítima e protecção jurisdicional efectiva.
· Casos como Melloni, Åkerberg Fransson e Schrems II moldam a relação entre os tratados e os direitos fundamentais.
Os tratados da UE são constituições em tudo menos no nome. Estruturam o poder, consagram valores e protegem direitos. A sua natureza híbrida entre tratado internacional e constituição funcional reflecte a singularidade do projecto europeu. Nos próximos capítulos, exploraremos como esta ordem constitucional interage com os sistemas jurídicos nacionais, começando pela tensão entre supremacia europeia e primazia constitucional nacional.
· Tratado da União Europeia (TUE)
· Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE)
· Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (2000/2012)
· TJUE: Costa v ENEL (C-6/64), Van Gend en Loos (C-26/62), Melloni (C-399/11), Åkerberg Fransson (C-617/10), Schrems II (C-311/18)
· Weiler, J.H.H. The Constitution of Europe. Cambridge University Press, 1999.
· Craig, P. EU Constitutional Law: An Introduction. Oxford University Press, 2022.
· Lenaerts, K. “The Constitutional Framework of the European Union.” European Constitutional Law Review, 2005.
A ordem jurídica da União Europeia assenta no princípio da supremacia que é a ideia de que o direito da UE prevalece sobre normas nacionais incompatíveis. Esta doutrina, desenvolvida pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), assegura a aplicação uniforme do direito europeu. Contudo, os tribunais constitucionais nacionais têm frequentemente resistido a esta afirmação, invocando a primazia das suas constituições, sobretudo em matérias de direitos fundamentais e soberania.
Este capítulo analisa as origens, evolução e tensões actuais entre estes dois princípios. Argumenta-se que, embora o conflito seja inevitável, emergiu uma forma de pluralismo constitucional que permite uma coexistência ainda que frágil e contestada.
· Costa v ENEL (1964): Estabeleceu que o direito da UE não pode ser afastado por normas nacionais.
· Van Gend en Loos (1963): Introduziu o efeito directo, reforçando a autonomia do direito da UE.
· Garante a uniformidade e eficácia do direito da União.
· Impede que os Estados-membros comprometam obrigações europeias através de legislação interna.
· Não está expressamente consagrada nos tratados, mas é inferida da natureza da ordem jurídica da UE.
· Confirmada em declarações anexas ao Tratado de Lisboa.
· As constituições nacionais são vistas como a norma jurídica suprema nos sistemas internos.
· O artigo 4.º(2) do TUE protege a identidade constitucional dos Estados-membros.
· Alemanha (Solange I e II, Acórdão de Lisboa): Aceita a supremacia condicionalmente, com base na protecção dos direitos.
· França (Decisão 2004-505 DC): Afirma a supremacia constitucional em caso de conflito.
· Polónia (Acórdão de 2021): Declarou partes do direito da UE incompatíveis com a constituição polaca.
· Solange I (1974): O tribunal recusou aplicar normas da UE que violassem direitos fundamentais nacionais.
· Solange II (1986): Aceitou a supremacia da UE enquanto esta garantisse protecção adequada dos direitos.
· O acórdão de 2021 contestou a autoridade do TJUE, invocando soberania nacional.
· Gerou debate sobre o Estado de direito e um possível “Polexit jurídico”.
· O Conselho Constitucional analisa a compatibilidade dos tratados com os princípios constitucionais franceses.
· Por vezes exige alterações constitucionais antes da ratificação.
· Monismo: O direito internacional/da UE integra-se automaticamente no direito interno (ex. Países Baixos).
· Dualismo: Requer transformação legislativa (ex. Reino Unido antes do Brexit).
· Nenhuma ordem jurídica é absolutamente suprema.
· Os tribunais dialogam e procuram acomodação mútua.
· As constituições da UE e dos Estados formam um sistema jurídico em camadas.
· Privilegia a cooperação em vez da hierarquia.
· O TJUE e os tribunais nacionais trocam interpretações.
· Os reenvios prejudiciais (artigo 267.º TFUE) promovem cooperação.
· A UE só actua quando os objectivos não podem ser alcançados pelos Estados.
· Preserva a autonomia nacional.
· O artigo 7.º TUE permite sanções contra Estados que violem os valores da UE.
· Aplicação rara devido à sensibilidade política.
· Governos na Hungria e Polónia contestam a autoridade jurídica da UE.
· Invocam identidade constitucional como escudo contra escrutínio europeu.
· A saída do Reino Unido revela os limites políticos da integração jurídica.
· A supremacia só funciona dentro da adesão voluntária.
· Tensões persistentes sobre independência judicial e padrões democráticos.
· O TJUE tem sido mais assertivo na defesa dos valores da UE.
Supremacia e primazia não são mutuamente exclusivas mas estão em constante negociação. A ordem jurídica da UE depende de um equilíbrio delicado entre uniformidade e respeito pelas tradições constitucionais nacionais. Embora o conflito seja inevitável, o pluralismo constitucional oferece um quadro para a coexistência. O futuro do constitucionalismo europeu depende da manutenção deste equilíbrio em tempos de tensão política e jurídica.
· Jurisprudência do TJUE: Costa v ENEL (1964), Van Gend en Loos (1963), Solange I e II, Melloni (2013)
· Besselink, L. A Composite European Constitution. Europa Law Publishing, 2007.
· Kumm, M. “The Jurisprudence of Constitutional Conflict.” European Law Journal, 2005.
· Comissão Europeia. “Relatórios sobre o Estado de Direito.” 2022–2025.
· Tribunal Constitucional da Polónia: Acórdão K 3/21 (2021)
· Tribunal Constitucional Federal da Alemanha: Acórdão de Lisboa (2009)
Os direitos fundamentais estão no cerne das ordens constitucionais. Na Europa, esses direitos são protegidos tanto a nível nacional através das constituições e catálogos de direitos dos Estados-membros como a nível supranacional, pela Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. A coexistência destes regimes levanta questões complexas acerca de quais os direitos que prevalecem em caso de conflito? Como é que os tribunais conciliam protecções sobrepostas? A Carta é um complemento ou um concorrente das tradições nacionais?
Este capítulo analisa as origens, o alcance e os efeitos jurídicos da Carta, compara-a com catálogos nacionais seleccionados e examina jurisprudência relevante que define esta interacção.
· Proclamada em 2000, tornou-se juridicamente vinculativa com o Tratado de Lisboa (2009).
· Consolida direitos provenientes da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH), da jurisprudência do TJUE e das tradições constitucionais nacionais.
· Dividida em seis títulos: Dignidade, Liberdades, Igualdade, Solidariedade, Direitos dos Cidadãos e Justiça.
· Inclui direitos civis, políticos, económicos e sociais.
· Vincula as instituições da UE e os Estados-membros apenas quando aplicam o direito da União (Artigo 51.º).
· Não é um catálogo geral aplicável a todas as assoes internas.
· Catálogo robusto de direitos nos artigos 1.º a 19.º.
· Ênfase na dignidade humana (Artigo 1.º) como valor inviolável.
· O Tribunal Constitucional Federal desempenha papel central na proteção dos direitos.
· Integrada no bloco de constitucionalidade através da jurisprudência do Conselho Constitucional.
· Foco na liberdade, igualdade e valores republicanos.
· Catálogo abrangente de direitos no Capítulo II.
· Tensões recentes sobre independência judicial e Estado de direito.
· Direitos protegidos no Título I.
· O Tribunal Constitucional assegura compatibilidade com os princípios democráticos.
· Muitos direitos (ex. privacidade, expressão e igualdade) são protegidos tanto pela Carta como pelas constituições nacionais.
· Os tribunais utilizam frequentemente a Carta para reforçar protecções internas.
· Melloni (2013): O TJUE decidiu que os padrões nacionais não podem prevalecer sobre os mínimos harmonizados da UE.
· Åkerberg Fransson (2013): Clarificou que a Carta só se aplica quando os Estados estão a implementar o direito da UE.
· Os tribunais nacionais podem resistir a interpretações da Carta que conflituem com valores internos.
· Exemplo: decisão alemã sobre o direito ao esquecimento II (2020), que enfatizou tradições constitucionais nacionais.
· Interpreta a Carta à luz do direito da UE e dos princípios gerais.
· Jurisprudência expansiva em casos como Digital Rights Ireland (2014) e Schrems II (2020).
· Aplica a CEDH, influenciando a interpretação da Carta.
· O diálogo entre TJUE e TEDH promove coerência.
· Reivindicam primazia em áreas não abrangidas pelo direito da UE.
· Participam no diálogo judicial, mas podem resistir a decisões do TJUE (ex. Polónia e Hungria).
· Os cidadãos enfrentam incerteza sobre qual regime jurídico se aplica.
· Risco de forum shopping e padrões inconsistentes.
· Governos invocam identidade constitucional para limitar direitos.
· Os mecanismos da UE (ex. artigo 7.º TUE) têm eficácia limitada.
· A Carta é cada vez mais invocada em matérias de protecção de dados, regulação da IA e liberdades online.
· Levanta questões sobre a adaptabilidade dos catálogos nacionais às novas tecnologias.
A Carta da UE e os catálogos nacionais de direitos formam um sistema multinível de protecção de direitos fundamentais. Embora a convergência esteja a crescer, persistem tensões sobretudo em áreas politicamente sensíveis. O futuro do constitucionalismo europeu depende da manutenção do diálogo judicial, do respeito pela identidade constitucional e da garantia de que os direitos fundamentais permanecem robustos em todos os níveis de governação.
No próximo capítulo, exploraremos o papel dos tribunais constitucionais na gestão destas tensões e na construção da ordem jurídica europeia.
· Jurisprudência do TJUE: Melloni (C-399/11), Åkerberg Fransson (C-617/10), Digital Rights Ireland (C-293/12), Schrems II (C-311/18)
· União Europeia. Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, 2012/C 326/02
· Comissão Europeia. “Relatórios Anuais sobre o Estado de Direito.” 2022-2025
· Kumm, M. “Constitutional Rights as Principles.” International Journal of Constitutional Law, 2004
· Lenaerts, K. “The Place of the Charter in the EU Constitutional Edifice.” European Constitutional Law Review, 2012
· Tribunal Constitucional Federal da Alemanha: Direito ao Esquecimento II (1 BvR 276/17)
Os tribunais constitucionais são os guardiões da identidade jurídica nacional. No contexto europeu, desempenham uma dupla função a de proteger os princípios constitucionais internos e participar no diálogo com a ordem jurídica supranacional da União Europeia. Este capítulo analisa como os tribunais constitucionais gerem as tensões entre a primazia constitucional nacional e a supremacia do direito da UE, contribuindo para a evolução do constitucionalismo europeu.
· Alemanha: Tribunal Constitucional Federal (Bundesverfassungsgericht) - altamente influente, com poder para rever actos da UE.
· França: Conselho Constitucional - revê leis antes da promulgação, com acesso limitado por cidadãos.
· Itália: Tribunal Constitucional - equilibra obrigações europeias com normas constitucionais internas.
· Polónia: Tribunal Constitucional - cada vez mais politizado, central na crise do Estado de direito.
· Espanha: Tribunal Constitucional - árbitro de conflitos constitucionais, incluindo os relacionados com o direito da UE.
· Fiscalização da constitucionalidade das leis.
· Interpretação da identidade constitucional e da soberania.
· Interacção com o direito da UE através de reenvios prejudiciais e decisões nacionais.
· Permite aos tribunais nacionais colocar questões ao TJUE sobre interpretação do direito da UE.
· Promove coerência jurídica e entendimento mútuo.
· Solange I e II (Alemanha): Aceitação condicional da supremacia do direito da UE com base na protecção dos direitos.
· Melloni (Espanha): O TJUE afirmou que a harmonização europeia pode limitar padrões nacionais de direitos.
· Taricco (Itália): O tribunal italiano resistiu à decisão do TJUE sobre direito penal, invocando princípios constitucionais.
· Os tribunais tendem a privilegiar o diálogo judicial em vez do confronto.
· O compromisso com os direitos fundamentais e o Estado de direito favorece a convergência.
· Reconhece a identidade constitucional nacional como limite à integração europeia.
· Invocado por tribunais para defender princípios internos essenciais.
· Alemanha - Acórdão de Lisboa (2009): Definiu limites à autoridade da UE com base na legitimidade democrática.
· Polónia - Acórdão K 3/21 (2021): Declarou partes do direito da UE incompatíveis com a constituição polaca.
· França - Decisão de 2004: Exigiu revisão constitucional antes da ratificação do Tratado Constitucional Europeu.
· Politização na Hungria e Polónia compromete a independência judicial.
· As respostas da UE incluem processos por infracção e mecanismos do artigo 7.º TUE.
· Comissão vs Polónia (2019): O TJUE considerou ilegais as reformas judiciais que violavam os padrões da UE.
· O TJUE assume cada vez mais o papel de tribunal constitucional da União.
· Nos sistemas federais (ex. EUA, Alemanha), os tribunais funcionam numa hierarquia unificada.
· Na Europa, o pluralismo constitucional permite soberanias sobrepostas e ordens jurídicas concorrentes.
· Os tribunais nacionais moldam o significado do direito da UE através da interpretação e da resistência.
· O TJUE ajusta a sua jurisprudência em resposta às preocupações nacionais.
Os tribunais constitucionais não são meros actores internos mas também co-autores da narrativa constitucional europeia. As suas decisões definem os limites da autoridade da UE, protegem a identidade nacional e contribuem para o desenvolvimento de uma ordem jurídica pluralista. Embora persistam tensões, o diálogo judicial continua a ser a pedra angular do constitucionalismo europeu.
No próximo capítulo, exploraremos como a identidade constitucional e a resistência nacional se manifestam em conflitos jurídicos e políticos por toda a União.
· Jurisprudência do TJUE: Melloni (C-399/11), Taricco (C-105/14), Comissão vs Polónia (C-619/18)
· Tribunal Constitucional Federal da Alemanha: Acórdão de Lisboa (2 BvE 2/08)
· Tribunal Constitucional da Polónia: Acórdão K 3/21 (2021)
· Comissão Europeia. “Relatórios sobre o Estado de Direito.” 2022-2025
· Kumm, M. “Who is the Final Arbiter of Constitutionality in Europe?” European Law Journal, 2009
· Popelier, P. et al. EU Law and National Constitutions. Routledge, 2023
A integração europeia tem sido acompanhada por uma crescente tensão entre o direito da União Europeia e as constituições nacionais. Em resposta, vários Estados-membros invocam a sua identidade constitucional como limite à aplicação do direito da UE. Esta invocação não é apenas jurídica mas também política e simbólica. Este capítulo analisa como os tribunais constitucionais e os governos nacionais utilizam o conceito de identidade constitucional para resistir à supremacia europeia, e como essa resistência molda o pluralismo constitucional europeu.
· Refere-se aos elementos fundamentais e inalteráveis da constituição de um Estado.
· Inclui princípios como a dignidade humana, a soberania, a democracia, o Estado de direito e a separação de poderes.
· O artigo 4.º(2) do Tratado da União Europeia (TUE) obriga a UE a respeitar a identidade nacional dos Estados-membros, “inclusivamente no que respeita às estruturas fundamentais políticas e constitucionais”.
· Serve como cláusula de salvaguarda contra a uniformização excessiva.
· Permite aos Estados contestar normas da UE que colidam com princípios constitucionais essenciais.
· O Tribunal Constitucional Federal invocou a identidade constitucional no Acórdão de Lisboa (2009) e no caso PSPP (2020).
· Defende que certos princípios como a legitimidade democrática e o controlo parlamentar não podem ser transferidos para a UE sem limites.
· O Conselho Constitucional exige compatibilidade dos tratados com os “princípios inerentes à identidade constitucional da França”.
· Pode condicionar a ratificação de tratados à revisão constitucional.
· O Tribunal Constitucional declarou, em 2021, que partes do direito da UE violavam a constituição polaca.
· Invocou soberania e identidade constitucional para justificar a não aplicação de decisões do TJUE.
· A constituição foi alterada para afirmar a primazia da identidade nacional sobre obrigações europeias.
· Utilizada para justificar políticas restritivas em matéria de migração e direitos civis.
· Governos populistas utilizam o discurso da identidade constitucional para desafiar o liberalismo europeu.
· Rejeitam o controlo judicial externo e promovem uma visão maioritária da democracia.
· A resistência à UE é apresentada como defesa da soberania popular.
· A identidade constitucional torna-se instrumento de mobilização política.
· A invocação da identidade constitucional pode servir para legitimar reformas autoritárias.
· Levanta preocupações sobre o abuso do conceito para fins antidemocráticos.
· O TJUE reconhece a identidade constitucional, mas sublinha que não pode justificar violações dos valores fundamentais da UE.
· A jurisprudência privilegia a proporcionalidade e o diálogo judicial.
· A identidade constitucional não pode ser usada para contornar obrigações jurídicas claras.
· O TJUE tem reafirmado a primazia do direito da UE em áreas de competência exclusiva.
· Os tribunais nacionais e o TJUE procuram soluções interpretativas que respeitem ambas as ordens jurídicas.
· O pluralismo constitucional permite acomodar diferenças sem romper a unidade jurídica.
· O caso Taricco (Itália) ilustra como os tribunais podem negociar interpretações compatíveis.
· O Tribunal Constitucional Federal alemão tem mantido uma postura crítica mas cooperativa.
A identidade constitucional é uma ferramenta legítima de protecção dos valores fundamentais dos Estados-membros. No entanto, a sua invocação deve ser feita com responsabilidade, evitando que se torne um escudo contra a democracia, os direitos humanos e o Estado de direito. O equilíbrio entre integração e soberania exige diálogo, respeito mútuo e compromisso com os princípios constitucionais partilhados.
No próximo capítulo, analisaremos como a democracia e o Estado de direito são protegidos e por vezes ameaçados no contexto da União Europeia.
· Tratado da União Europeia (Artigo 4.º(2))
· Tribunal Constitucional Federal da Alemanha: Acórdão de Lisboa (2 BvE 2/08), PSPP (2 BvR 859/15)
· Tribunal Constitucional da Polónia: Acórdão K 3/21 (2021)
· Conselho Constitucional de França: Decisão 2004-505 DC
· Kumm, M. “The Jurisprudence of Constitutional Conflict.” European Law Journal, 2005
· Sadurski, W. Poland’s Constitutional Breakdown. Oxford University Press, 2019
· Popelier, P. et al. EU Law and National Constitutions. Routledge, 2023
· Lenaerts, K. “Constitutional Identity in the EU.” European Constitutional Law Review, 2013
A União Europeia define-se como uma comunidade de valores. Entre esses, a democracia e o Estado de direito ocupam uma posição central, consagrados no artigo 2.º do Tratado da União Europeia (TUE). Contudo, nos últimos anos, estes princípios têm sido postos à prova por tendências autoritárias, erosão institucional e desafios à independência judicial em vários Estados-membros. Este capítulo analisa como a UE protege e por vezes falha em proteger os seus fundamentos democráticos e jurídicos.
· Artigo 10.º TUE: A UE assenta na democracia representativa.
· Os cidadãos estão representados no Parlamento Europeu e participam na vida democrática através de iniciativas e eleições.
· Críticas apontam para a distância entre instituições europeias e os cidadãos.
· A Comissão e o Conselho são vistos como tecnocráticos e pouco transparentes.
· Eleições europeias, iniciativas de cidadania, consultas públicas.
· Crescente debate sobre formas de democracia deliberativa e participativa.
· Legalidade, separação de poderes, controlo judicial, igualdade perante a lei.
· Essencial para a protecção dos direitos fundamentais e para a confiança mútua entre Estados-membros.
· Artigo 2.º TUE: O Estado de direito é um valor fundacional.
· Requisito para adesão à UE (Critérios de Copenhaga).
· Reformas judiciais minaram a independência dos tribunais.
· O TJUE considerou ilegais várias medidas, incluindo o regime disciplinar para juízes.
· Restrição da liberdade de imprensa, controlo sobre ONGs e universidades.
· A Comissão Europeia accionou o artigo 7.º TUE por violação dos valores da UE.
· A confiança mútua entre Estados-membros é comprometida.
· Impacto na cooperação judicial, reconhecimento de decisões e funcionamento do mercado interno.
· Permite sanções contra Estados que violem gravemente os valores da UE.
· Aplicação limitada devido à exigência de unanimidade no Conselho.
· A Comissão pode accionar o TJUE contra Estados que violem o direito da UE.
· Utilizado em casos de reformas judiciais e ataques à independência judicial.
· Mecanismo que liga o acesso a fundos europeus ao respeito pelo Estado de direito.
· Aplicado à Hungria e à Polónia com impacto orçamental significativo.
· Jurisprudência crescente sobre o Estado de direito e independência judicial.
· Casos emblemáticos: Comissão vs Polónia (C-619/18), Associação Sindical dos Juízes Polacos (C-192/18).
· Podem reforçar ou enfraquecer o Estado de direito.
· O pluralismo judicial exige responsabilidade e compromisso com os valores comuns.
· Protestos, petições, campanhas de sensibilização.
· ONGs e jornalistas desempenham papel crucial na defesa da democracia.
· A literacia jurídica fortalece a cidadania democrática.
· A UE apoia programas de formação e intercâmbio.
· Narrativas antielitistas e nacionalistas desafiam os valores europeus.
· A UE enfrenta o dilema entre respeito pela soberania e defesa dos princípios fundacionais.
· A aplicação desigual dos mecanismos de defesa do Estado de direito compromete a legitimidade da UE.
· Necessidade de critérios claros e acção consistente.
· Propostas de reforma institucional, maior transparência e envolvimento dos cidadãos.
· A democracia europeia está em construção e em disputa.
A democracia e o Estado de direito são mais do que princípios jurídicos. São compromissos políticos e éticos. A União Europeia deve continuar a defendê-los com firmeza, coerência e coragem. O futuro do projecto europeu depende da sua capacidade de proteger estes valores contra erosões internas e de os renovar em diálogo com os cidadãos.
No próximo capítulo, exploraremos como os processos de emenda constitucional são influenciados pela integração europeia e como os Estados adaptam as suas constituições às exigências da União.
· Tratado da União Europeia (Artigos 2.º, 7.º e 10.º)
· TJUE: Comissão vs Polónia (C-619/18), Associação Sindical dos Juízes Polacos (C-192/18)
· Comissão Europeia. “Relatórios sobre o Estado de Direito.” 2020-2025
· Sadurski, W. Poland’s Constitutional Breakdown. Oxford University Press, 2019
· Pech, L. & Kochenov, D. “Strengthening the Rule of Law within the EU.” Verfassungsblog, 2021
· Müller, J.-W. Democracy Rules. Farrar, Straus and Giroux, 2021
As constituições não são documentos imutáveis, evoluem em resposta a transformações políticas, sociais e jurídicas. No contexto da União Europeia, a adesão e a integração exigem frequentemente emendas constitucionais nos Estados-membros, para acomodar obrigações europeias, harmonizar direitos e adaptar estruturas institucionais. Este capítulo analisa como os Estados alteram as suas constituições em função da integração europeia, revelando tensões entre soberania nacional e governação supranacional.
· Tratados como Maastricht, Nice, Lisboa exigem compatibilidade constitucional.
· Alguns Estados devem alterar a constituição antes da ratificação (ex. França, Irlanda, Alemanha).
· Áreas como justiça, migração e política fiscal intersectam com domínios constitucionais.
· As constituições nacionais devem reflectir a partilha de soberania.
· A Carta dos Direitos Fundamentais da UE influencia os catálogos nacionais.
· Parlamentos e tribunais respondem com codificação ou alinhamento dos direitos.
· Alemanha: Requer maioria de dois terços em ambas as câmaras; cláusula de eternidade protege princípios fundamentais.
· Espanha: Processo complexo com referendo obrigatório para alterações profundas.
· Itália: Permite emendas parlamentares sem referendo, salvo pedido popular.
· Hungria: Maioria governamental pode alterar a constituição com poucos obstáculos.
· Irlanda: Todas as alterações constitucionais exigem referendo.
· França: Algumas emendas relacionadas com a UE foram aprovadas por referendo (ex. Maastricht).
· Acórdão de Lisboa (2009): O Tribunal Constitucional exigiu emendas para garantir legitimidade democrática.
· Reforçou o papel do Bundestag na tomada de decisões europeias.
· Rejeição inicial dos Tratados de Nice e Lisboa; aprovação posterior após garantias constitucionais.
· Demonstra o escrutínio público da integração europeia.
· O Conselho Constitucional considerou certos tratados incompatíveis com a constituição.
· Foram realizadas emendas para permitir a ratificação e alinhar com o direito da UE.
· Alterações constitucionais para resistir à influência da UE (ex. migração, sistema judicial).
· Levanta preocupações sobre erosão democrática e Estado de direito.
· Referendos reforçam a legitimidade, mas podem revelar fragilidade no consenso europeu.
· O fracasso do Tratado Constitucional Europeu (2004) ilustra o fosso entre elites e cidadãos.
· Os parlamentos nacionais desempenham papel crucial na análise das emendas relacionadas com a UE.
· Asseguram responsabilidade democrática na governação transnacional.
· Os tribunais constitucionais avaliam a compatibilidade dos tratados com os princípios internos.
· Podem bloquear ou condicionar emendas (ex. Alemanha no caso Lisboa).
· Prazos europeus podem forçar emendas rápidas.
· Risco de comprometer o debate democrático e a estabilidade constitucional.
· As emendas podem gerar resistência se forem vistas como cedência de controlo nacional.
· Movimentos populistas exploram receios de diluição constitucional.
· Ausência de abordagem harmonizada entre Estados-membros.
· Cria adaptação constitucional desigual ao direito da UE.
· Alguns académicos defendem cláusulas explícitas que reconheçam obrigações europeias.
· Poderia clarificar a hierarquia jurídica e reduzir conflitos.
· Os cidadãos devem participar na evolução constitucional.
· A integração europeia deve ser apresentada como escolha democrática, não como imposição tecnocrática.
· Cláusulas de eternidade e revisões identitárias protegem a integridade constitucional.
· É necessário equilibrar abertura à integração com preservação dos valores fundacionais.
As emendas constitucionais são a expressão jurídica da adaptação política. Na UE, reflectem o equilíbrio entre soberania nacional e obrigações supranacionais. A integração exige flexibilidade, mas a legitimidade requer deliberação e confiança pública. O futuro do constitucionalismo europeu depende da capacidade de reconciliar estes imperativos garantindo que a mudança constitucional serve os valores democráticos e a unidade europeia.
No próximo capítulo, analisaremos como os poderes de emergência e a resiliência constitucional são postos à prova em tempos de crise desde pandemias a ameaças à segurança.
· Tratado da União Europeia (TUE) e Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE)
· Tribunal Constitucional Federal da Alemanha: Acórdão de Lisboa (2 BvE 2/08)
· Supremo Tribunal da Irlanda: Crotty v An Taoiseach [1987]
· Conselho Constitucional de França: Decisões sobre Maastricht e Lisboa
· Comissão de Veneza: Relatórios sobre Hungria e Polónia (2017–2023)
· Grimm, D. “The Constitution in Times of Crisis.” European Constitutional Law Review, 2016
· Craig, P. EU Constitutional Law: An Introduction. Oxford University Press, 2022
As crises testam a força e a flexibilidade dos sistemas constitucionais. Perante ameaças como terrorismo, pandemias, guerras ou colapsos económicos, os Estados europeus invocam poderes de emergência para agir rapidamente. Contudo, tais poderes podem concentrar autoridade, restringir direitos e perturbar o equilíbrio democrático. Este capítulo analisa como as constituições europeias regulam os poderes de emergência, como o direito da UE interage com esses mecanismos e o que revelam sobre a resiliência constitucional como capacidade de adaptação sem ruptura.
· Cláusulas de derrogação: Permitem a suspensão temporária de certos direitos (ex. artigo 15.º da CEDH).
· Limites temporais e controlo: Requerem aprovação parlamentar ou revisão judicial.
· Âmbito e gatilhos: As constituições definem o que constitui uma emergência (ex. guerra, catástrofe natural e perturbação interna).
· França: Estado de emergência declarado pelo executivo, com supervisão parlamentar; usado extensivamente após os ataques de 2015.
· Alemanha: A Lei Fundamental prevê o “estado de defesa”; fortes salvaguardas contra abusos.
· Hungria: Poderes alargados durante a COVID-19; preocupações com retrocesso democrático.
· Itália e Espanha: Poderes de emergência ligados a decretos executivos, sujeitos a revisão constitucional.
· Os tratados da UE não contêm uma cláusula geral de emergência comparável às constituições nacionais.
· A resposta à crise é frequentemente delegada aos Estados-membros.
· Permite limitações aos direitos se forem proporcionais e necessárias (artigo 52.º).
· Não prevê derrogações como a CEDH.
· Revisa medidas de emergência à luz do direito da UE.
· Exemplo: Schrems II (2020) - invalidou o regime de transferência de dados por motivos de privacidade, apesar de argumentos de segurança.
· Confinamentos, vigilância, restrições à circulação e reunião.
· Uso de decretos executivos e legislação acelerada.
· Tribunais na Alemanha, França e Espanha avaliaram a proporcionalidade e legalidade das medidas.
· Hungria e Polónia utilizaram a crise para consolidar poder levantando preocupações sobre o Estado de direito.
· Compra conjunta de vacinas, fundo de recuperação (NextGenerationEU), flexibilização temporária das regras orçamentais.
· Demonstrou capacidade adaptativa da UE apesar da ausência de poderes formais de emergência.
· Emergências podem normalizar o excepcional.
· Risco de emergência permanente, onde poderes temporários se tornam estruturais.
· Vigilância, censura e restrições ao protesto justificadas pela crise.
· Grupos vulneráveis são frequentemente os mais afectados.
· Predominância do executivo enfraquece os mecanismos de controlo.
· Parlamentos e tribunais marginalizados em contextos de urgência.
· Resiliência é a capacidade de absorver choques preservando os princípios constitucionais.
· Inclui salvaguardas legais, robustez institucional e envolvimento cívico.
· Revisão judicial das medidas de emergência.
· Cláusulas de caducidade e supervisão legislativa.
· Transparência e confiança pública.
· Condicionalidade do Estado de direito e monitorização.
· Financiamento ligado a padrões democráticos.
· Apoio à sociedade civil e aos meios de comunicação independentes.
· A CEDH permite derrogação; as Carta não, mas ambas exigem proporcionalidade.
· O TEDH e o TJUE desempenham papéis complementares na protecção dos direitos.
· A governação de emergência na UE é descentralizada, ao contrário de modelos centralizados (ex. EUA).
· Destaca a tensão entre integração e soberania.
Os poderes de emergência são um paradoxo constitucional necessários para a sobrevivência e perigosos para a liberdade. Os sistemas europeus procuram equilibrar resposta com contenção, mas o sucesso varia. A pandemia revelou tanto vulnerabilidades como pontos fortes. A resiliência constitucional depende não apenas do desenho jurídico, mas da cultura política, integridade institucional e vigilância cidadã.
No próximo capítulo, exploraremos como a transformação digital especialmente a inteligência artificial, a governação de dados e a vigilância desafia os quadros constitucionais tradicionais e exige novas abordagens centradas nos direitos.
· CEDH, artigo 15.º; Carta dos Direitos Fundamentais da UE, artigo 52.º
· Jurisprudência do TJUE: Schrems II (C-311/18)
· Comissão de Veneza. “Poderes de Emergência e COVID-19.” 2020-2022
· Comissão Europeia. “Relatórios sobre o Estado de Direito.” 2020-2025
· Dyzenhaus, D. The Constitution of Law: Legality in a Time of Emergency. Cambridge University Press, 2006
· Fabbrini, F. “Constitutional Responses to COVID-19.” European Constitutional Law Review, 2021
A era digital transformou profundamente o campo do direito constitucional. A proliferação de algoritmos, a vigilância em massa, a governação de dados e a inteligência artificial colocam novos desafios à protecção dos direitos fundamentais e à estrutura dos sistemas jurídicos. Este capítulo analisa como os ordenamentos constitucionais europeus e a própria União Europeia têm respondido a esta transformação, através da consagração de direitos digitais e da promoção de inovação constitucional.
· O constitucionalismo digital refere-se à adaptação dos princípios constitucionais ao ambiente tecnológico.
· Incide sobre direitos (ex. privacidade, liberdade de expressão), governação (ex. transparência, responsabilidade) e poder (ex. regulação de plataformas).
· Expansão da vigilância estatal e privada.
· Crescimento de monopólios digitais e governação algorítmica.
· Fluxos transfronteiriços de dados e complexidade jurisdicional.
· Marco regulatório (2018) que consagra a protecção de dados como direito fundamental.
· Introduz princípios como consentimento, limitação de finalidade e minimização de dados.
· Reforça os direitos dos titulares dos dados: acesso, rectificação, apagamento, portabilidade.
· Artigo 8.º: Direito à protecção de dados pessoais.
· Artigo 7.º: Respeito pela vida privada e familiar.
· O TJUE tem interpretado estes artigos de forma expansiva (ex. Schrems I e II, Digital Rights Ireland).
· Regulamento da IA (pendente): Regula sistemas de IA de alto risco e proíbe usos como pontuação social.
· Regulamento dos Serviços Digitais: Impõe obrigações de transparência e responsabilidade às plataformas.
· O Tribunal Constitucional reconheceu o direito à integridade e confidencialidade dos sistemas informáticos (2008).
· Jurisprudência robusta sobre retenção de dados e vigilância.
· O Conselho Constitucional analisa leis digitais à luz da proporcionalidade e dos direitos fundamentais.
· Debates intensos sobre reconhecimento facial e dados biométricos.
· Tribunais constitucionais cada vez mais envolvidos em litígios digitais.
· Ênfase na dignidade, autonomia e protecção contra discriminação algorítmica.
· Schrems I (2015): Invalidou o regime Safe Harbor por insuficiência de protecção nos Estados Unidos.
· Schrems II (2020): Revogou o Privacy Shield; reafirmou os direitos da Carta.
· Digital Rights Ireland (2014): Invalidou directiva de retenção de dados por violar direitos fundamentais.
· Big Brother Watch v Reino Unido (2021): Vigilância em massa exige salvaguardas rigorosas.
· Bărbulescu v Roménia (2017): Monitorização laboral deve respeitar a privacidade.
· Algoritmos devem ser transparentes e responsabilizáveis.
· Reconhecido no RGPD e debatido em propostas legislativas sobre IA.
· Protege os trabalhadores contra a hiperconectividade digital.
· Consagrado em leis nacionais (ex. França, Espanha).
· Combina privacidade, autonomia e não discriminação.
· Responde aos riscos de perfilagem, manipulação e exclusão.
· Autoridades nacionais de protecção de dados variam em capacidade e independência.
· Cumprimento pelas plataformas é desigual.
· Empresas tecnológicas globais desafiam a aplicação territorial das normas.
· Conflitos entre padrões europeus e regimes jurídicos externos.
· A governação algorítmica carece de transparência.
· Os cidadãos têm dificuldade em compreender e contestar decisões automatizadas.
· Novas leis sobre IA, cibercrime e regulação de plataformas.
· Algumas constituições foram emendadas para reflectir direitos digitais.
· ONGs e movimentos sociais promovem a defesa dos direitos digitais.
· Reivindicam governação ética e participativa da tecnologia.
· Tribunais desenvolvem novas doutrinas.
· Parlamentos criam comissões de supervisão digital.
A Europa está na vanguarda do constitucionalismo digital. Por meio da legislação, da jurisprudência e da mobilização cívica, está a redefinir o significado dos direitos constitucionais no século XXI. O desafio é garantir que a inovação tecnológica sirva a liberdade e não a comprometa. À medida que a tecnologia evolui, também deve evoluir a imaginação constitucional.
No próximo capítulo, exploraremos como a migração, as fronteiras e a ética constitucional se cruzam testando os limites da solidariedade, da dignidade e da universalidade jurídica.
· Carta dos Direitos Fundamentais da UE, artigos 7.º e 8.º
· Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD) - Regulamento (UE) 2016/679
· Jurisprudência do TJUE: Schrems I & II, Digital Rights Ireland
· Jurisprudência do TEDH: Big Brother Watch v Reino Unido, Bărbulescu v Roménia
· Proposta de Regulamento da IA (COM/2021/206)
· Regulamento dos Serviços Digitais - Regulamento (UE) 2022/2065
· De Gregorio, G. “Digital Constitutionalism in Europe.” International Journal of Constitutional Law, 2020
· Mantelero, A. “AI and the Right to Explanation.” Computer Law & Security Review, 2018
A migração não é apenas uma questão de política pública é um desafio constitucional. Obriga os Estados a confrontarem os limites da obrigação legal, da responsabilidade moral e da identidade nacional. Na Europa, a tensão entre controlo fronteiriço e direitos humanos intensificou-se com as crises de refugiados, os debates sobre asilo e o ressurgimento de discursos populistas. Este capítulo analisa como os sistemas constitucionais europeus e a própria União Europeia enfrentam os dilemas éticos e jurídicos da migração e da governação das fronteiras.
· As constituições conferem aos Estados o poder de regular a entrada, residência e cidadania.
· O controlo das fronteiras é frequentemente apresentado como expressão da soberania.
· A maioria das constituições europeias consagra direitos à dignidade, ao asilo e à protecção contra expulsões arbitrárias.
· Os tribunais interpretam cada vez mais estes direitos como limites à acção governamental.
· Carta dos Direitos Fundamentais da UE: Artigos 18.º (direito de asilo) e 19.º (protecção contra remoção).
· TFUE: Competência partilhada em matéria de imigração e asilo (artigo 79.º).
· A ética constitucional exige que todas as pessoas independentemente do estatuto sejam tratadas com dignidade.
· Levanta questões sobre detenção, deportação e exclusão.
· O princípio da solidariedade (artigo 80.º TFUE) exige repartição equitativa de encargos.
· Frequentemente comprometido pela resistência nacional e práticas assimétricas.
· A migração é frequentemente enquadrada como ameaça à segurança.
· O constitucionalismo ético exige governação proporcional e centrada nos direitos.
· Emendas constitucionais enquadram a migração como ameaça à identidade nacional.
· O Tribunal Constitucional validou leis restritivas, apesar das críticas da UE.
· A política de 2015 baseou-se na dignidade humana (artigo 1.º da Lei Fundamental).
· O Tribunal Constitucional Federal confirmou direitos dos requerentes de asilo.
· Obrigações constitucionais e internacionais de resgate no mar.
· Conflitos políticos sobre navios de ONGs e encerramento de portos.
· Resistência às quotas de recolocação de refugiados da UE.
· O TJUE considerou violação do princípio da solidariedade.
· Fiscaliza a aplicação das directivas de asilo e os direitos da Carta.
· Equilibra a margem nacional com obrigações supranacionais.
· Interpreta a CEDH em matéria de protecção de migrantes e requerentes de asilo.
· Casos emblemáticos: M.S.S. v Bélgica e Grécia, Hirsi Jamaa v Itália.
· Abordagens diversas - alguns deferem ao executivo, outros afirmam limites baseados nos direitos.
· Crescente envolvimento na revisão de práticas de detenção, deportação e asilo.
· A migração desafia narrativas nacionais de pertença.
· A ética constitucional exige inclusão, mas a política resiste.
· Estados invocam poderes excepcionais para suspender direitos ou acelerar expulsões.
· Os tribunais avaliam proporcionalidade e necessidade.
· A migração é usada para justificar emendas constitucionais restritivas.
· Levanta preocupações sobre erosão do constitucionalismo liberal.
· Alguns Estados codificaram direitos de asilo ou clarificaram procedimentos migratórios.
· Outros restringiram o acesso ou redefiniram critérios de cidadania.
· Reformas do Regulamento de Dublin e criação de um sistema comum de asilo.
· Enfoque na solidariedade, eficiência e protecção dos direitos.
· A sociedade civil e a advocacia jurídica moldam o discurso constitucional.
· Litígios estratégicos e mobilização pública defendem os direitos dos migrantes.
A migração revela os fundamentos éticos do direito constitucional. Obriga a Europa a escolher entre exclusão e universalidade, medo e dignidade, soberania e solidariedade. A resposta constitucional deve ser baseada em princípios, centrada nos direitos e resiliente capaz de afirmar a dignidade humana mesmo na fronteira.
No próximo capítulo, analisaremos como as alterações climáticas estão a reformular o pensamento constitucional inaugurando uma nova era de direitos ambientais e governação ecológica.
· Carta dos Direitos Fundamentais da UE, artigos 18.º e 19.º
· TFUE, artigo 80.º
· Jurisprudência do TJUE: Comissão v Polónia, Hungria, República Checa (C-715/17, C-718/17, C-719/17)
· Jurisprudência do TEDH: M.S.S. v Bélgica e Grécia (Ap. n.º 30696/09), Hirsi Jamaa v Itália (Ap. n.º 27765/09)
· Tribunal Constitucional Federal da Alemanha: Decisões sobre asilo (2016–2020)
· Comissão de Veneza: Relatórios sobre Migração e Direito Constitucional
· Carrera, S. & Guild, E. “Constitutionalising the Right to Asylum.” European Journal of Migration and Law, 2017
· Benhabib, S. The Rights of Others: Aliens, Residents, and Citizens. Cambridge University Press, 2004
As alterações climáticas não são apenas um desafio científico ou político mas uma questão constitucional. Exigem que os sistemas jurídicos repensem os limites do crescimento, os direitos das gerações futuras e as responsabilidades dos Estados perante o planeta. Em toda a Europa, as constituições estão a evoluir para reflectir valores ambientais, enquanto os tribunais tratam a protecção climática como um imperativo constitucional. Este capítulo analisa como as preocupações ecológicas estão a reformular o direito constitucional europeu, tanto a nível nacional como da União Europeia.
· O constitucionalismo ambiental integra princípios ecológicos nos textos constitucionais, na jurisprudência e na governação.
· Reconhece a natureza como sujeito de protecção jurídica e não apenas como recurso.
· Consenso científico sobre a urgência climática.
· Mobilização juvenil e reivindicações intergeracionais.
· Inovação judicial e litígios baseados em direitos.
· Artigo 66.º da Constituição: direito ao ambiente e dever do Estado de o proteger.
· Artigo 45.º: reconhece o direito ao ambiente e obriga os poderes públicos à sua defesa.
· Carta do Ambiente (2004): integrada na Constituição; consagra o princípio da precaução e o direito a viver num ambiente equilibrado.
· Artigo 3.º TUE: a UE promove o desenvolvimento sustentável.
· Artigo 191.º TFUE: define objectivos da política ambiental como a precaução, prevenção, poluidor-pagador.
· Artigo 37.º: “Um elevado nível de protecção ambiental… será integrado nas políticas da União.”
· Pacto Ecológico Europeu (2019): plano estratégico para neutralidade climática até 2050.
· Lei Europeia do Clima (2021): vincula juridicamente o objectivo de emissões líquidas nulas.
· Alemanha (2021): Tribunal Constitucional considerou a lei climática insuficiente para proteger as gerações futuras.
· Países Baixos (Urgenda v Estado, 2015-2019): Supremo Tribunal ordenou redução de emissões.
· França (Affaire du Siècle): litígio em curso sobre incumprimento das metas climáticas.
· KlimaSeniorinnen v Suíça (pendente): mulheres idosas alegam que a inacção climática viola os seus direitos à vida e à saúde.
· O TEDH mostra abertura crescente a reivindicações baseadas no clima.
· Interpreta directivas ambientais e fiscaliza o cumprimento.
· Equilibra liberdades económicas com objectivos de sustentabilidade.
· Reconhecido em várias constituições europeias e instrumentos internacionais.
· Debate sobre se deve ser um direito autónomo ou derivado de outros direitos.
· Tribunais e académicos defendem direitos das gerações futuras.
· Desafia os limites temporais tradicionais do direito constitucional.
· Alarga a participação nas decisões ambientais.
· Inclui jovens, comunidades indígenas e sociedade civil.
· Divergência entre tribunais quanto à aplicação vinculativa das obrigações climáticas.
· Resistência política às decisões judiciais.
· Conflitos entre crescimento económico, emprego e sustentabilidade.
· O direito constitucional deve mediar valores concorrentes.
· Protecções ambientais variam entre Estados-membros.
· Comunidades vulneráveis sofrem impactos desproporcionais.
· Propostas para consagrar metas climáticas, biodiversidade e limites ecológicos.
· Alguns defendem cláusulas sobre os “direitos da natureza”.
· Assembleias de cidadãos influenciam políticas climáticas (ex. França).
· Reforçam legitimidade e envolvimento democrático.
· O direito climático é cada vez mais moldado por normas globais e litígios transfronteiriços.
· Os tribunais europeus dialogam com jurisprudência internacional.
As alterações climáticas estão a reescrever o guião constitucional. Exigem novos direitos, novos deveres e novas formas de pensar o direito, o tempo e a justiça. A Europa lidera esta transformação através de litígios, legislação e inovação cívica. O desafio é garantir que o direito constitucional se torne não apenas um escudo da liberdade, mas um instrumento de sobrevivência planetária.
No próximo capítulo, exploraremos como o populismo e o retrocesso constitucional ameaçam a integridade do constitucionalismo europeu e como os sistemas jurídicos respondem.
· TUE, artigo 3.º; TFUE, artigo 191.º
· Carta dos Direitos Fundamentais da UE, artigo 37.º
· Lei Europeia do Clima — Regulamento (UE) 2021/1119
· Tribunal Constitucional Federal da Alemanha: Acórdão climático (1 BvR 2656/18)
· Urgenda v Países Baixos — ECLI:NL:HR:2019:2007
· TEDH: KlimaSeniorinnen v Suíça (Ap. n.º 53600/20)
· Boyd, D. The Rights of Nature. ECOSOC, 2020
· Kotzé, L.J. “Global Environmental Constitutionalism.” Transnational Environmental Law, 2012
· Comissão Europeia. “Pacto Ecológico Europeu.” COM(2019) 640 final
O populismo não é apenas um estilo político é um teste à resiliência constitucional. Em vários países europeus, governos populistas têm desafiado a ordem democrática liberal, enfraquecendo a independência judicial, concentrando poder e alterando constituições para consolidar autoridade. Este capítulo analisa como o populismo interage com o direito constitucional, como se manifesta o retrocesso constitucional e como a União Europeia tem respondido a estas ameaças internas aos seus valores fundacionais.
· Reivindica representar o “verdadeiro povo” contra elites corruptas.
· Rejeita o pluralismo, a revisão judicial e os limites institucionais.
· Procura centralizar poder, deslegitimar a oposição e politizar os tribunais.
· As constituições tornam-se instrumentos de dominação em vez de limitação.
· O retrocesso constitucional é gradual, legalista e revestido de retórica democrática.
· Difere de mudanças constitucionais revolucionárias com apoio popular genuíno.
· Nomeação de juízes leais, manipulação de procedimentos judiciais.
· Enfraquece a independência e a imparcialidade dos tribunais.
· Uso de maiorias parlamentares para contornar restrições constitucionais.
· Leis aceleradas, decretos de emergência e emendas constitucionais oportunistas.
· Restrições legais à liberdade de imprensa e à actividade de ONGs.
· Efeito dissuasor sobre o escrutínio público e a responsabilização.
· Redesenho de círculos eleitorais, controlo de comissões eleitorais.
· Compromete a integridade dos processos democráticos.
· O governo Fidesz alterou a constituição repetidamente para consolidar poder.
· Reformas judiciais e leis sobre ONGs criticadas pela UE e pela Comissão de Veneza.
· Retórica de “democracia iliberal” desafia os valores da UE.
· Tribunal Constitucional politizado; decisões do TJUE ignoradas.
· Regime disciplinar para juízes viola normas europeias.
· Processo de infracção e activação do artigo 7.º TUE pela Comissão Europeia.
· Tentativas de interferência judicial e controlo mediático enfrentaram resistência cívica.
· Monitorização da UE e pressão interna travaram o retrocesso.
· Movimentos populistas influentes, mas contidos por instituições resilientes.
· Tribunais e sociedade civil actuam como travões constitucionais.
· Permite suspender direitos de voto por violação grave dos valores da UE.
· Aplicação difícil devido à exigência de unanimidade entre Estados-membros.
· O TJUE tem condenado violações do Estado de direito.
· Instrumento jurídico eficaz, mas limitado em impacto político direto.
· Liga o acesso a fundos europeus ao respeito pelos princípios democráticos.
· Utilizado para suspender financiamento à Hungria e à Polónia.
· Relatórios anuais sobre o Estado de direito.
· Revisão entre pares e envolvimento da sociedade civil.
· Tribunais constitucionais podem defender normas liberais se forem independentes.
· O TJUE e o TEDH actuam como guardiões externos.
· Mobilização pública contra deriva autoritária.
· Litígios estratégicos e jornalismo de investigação como formas de resistência.
· A UE, a Comissão de Veneza e ONGs globais exercem influência normativa.
· Sanções, cortes de financiamento e reputação internacional como instrumentos de dissuasão.
· Democracias devem proteger-se contra atores antidemocráticos.
· Justifica restrições a partidos e discursos que ameaçam a ordem constitucional.
· Lealdade aos princípios democráticos em vez de identidade étnica ou cultural.
· Alternativa ao nacionalismo populista.
· O constitucionalismo liberal exige pluralismo institucional.
· O populismo tende a confundir maioria com poder absoluto.
O populismo revela a fragilidade da democracia constitucional. Utiliza ferramentas legais para desmantelar os próprios princípios que sustentam o Estado de direito. A resposta europeia deve ser firme, coordenada e resiliente defendendo os valores fundacionais não apenas com sanções, mas com solidariedade, mobilização cívica e renovação constitucional.
No capítulo final, exploraremos as trajectórias futuras do constitucionalismo europeu, federalismo, pós-soberania e o significado evolutivo da unidade.
· Tratado da União Europeia, artigos 2.º e 7.º
· Jurisprudência do TJUE: Comissão v Polónia (C-619/18), Comissão v Hungria (C-156/21)
· Comissão de Veneza: Relatórios sobre Hungria e Polónia (2017-2025)
· Comissão Europeia: Relatórios sobre o Estado de Direito (2020-2025)
· Müller, J.-W. What Is Populism? University of Pennsylvania Press, 2016
· Scheppele, K.L. “Autocratic Legalism.” University of Chicago Law Review, 2018
· Sadurski, W. Poland’s Constitutional Breakdown. Oxford University Press, 2019
· Kochenov, D. & Pech, L. “Upholding the Rule of Law in the EU.” Verfassungsblog, 2021
O constitucionalismo europeu encontra-se num ponto de viragem. As forças da integração, da identidade, da digitalização, da urgência climática e da fragilidade democrática estão a convergir para reformular o panorama constitucional. Este capítulo oferece uma análise prospectiva sobre os caminhos possíveis para o futuro do direito constitucional europeu examinando visões concorrentes, paradigmas emergentes e as escolhas normativas que moldarão a próxima era.
· A UE permanece um híbrido: mais do que uma confederação, menos do que uma federação.
· A crescente integração em áreas como finanças, defesa e saúde reacende o debate federalista.
· Uma constituição formal da UE poderia clarificar competências, direitos e funções institucionais.
· Os riscos incluem perda de autonomia nacional e distanciamento democrático.
· Lições dos modelos federais dos Estados Unidos, Alemanha e Canadá.
· A diversidade europeia exige um federalismo adaptável, em camadas e centrado nos direitos.
· A soberania é cada vez mais partilhada, limitada ou condicionada por normas supranacionais.
· Questões como migração, clima e tecnologia transcendem fronteiras.
· Ordens jurídicas sobrepostas como nacional, europeia, internacional exigem coordenação, não hierarquia.
· Os tribunais desempenham papel central na gestão de conflitos normativos.
· O constitucionalismo pós-soberano deve enfrentar os desafios da legitimidade democrática e da pluralidade cultural.
· A cidadania europeia pode ser reimaginada como participativa e multinível.
· As constituições devem regular sistemas de decisão opacos.
· Direitos à explicação, dignidade digital e responsabilidade algorítmica tornam-se princípios centrais.
· Desafia a autoridade jurídica centralizada.
· Levanta questões sobre execução, jurisdição e legitimidade.
· As ameaças digitais exigem respostas constitucionais equilibrando segurança e liberdade.
· Movimento emergente para reconhecer ecossistemas como sujeitos jurídicos.
· Pode reformular os direitos e deveres constitucionais.
· As gerações futuras são cada vez mais invocadas em litígios climáticos.
· As constituições podem evoluir para refletir a responsabilidade a longo prazo.
· Propostas para consagrar sustentabilidade, biodiversidade e neutralidade carbónica nos textos constitucionais.
· Assembleias de cidadãos, plataformas digitais e democracia deliberativa.
· Reforçam a legitimidade constitucional e a confiança pública.
· Educação e envolvimento são essenciais para sustentar a cultura democrática.
· A sociedade civil desempenha papel vital na defesa dos valores constitucionais.
· As constituições devem ser robustas e flexíveis capazes de absorver choques sem colapsar.
· Mecanismos testados em crise (ex. poderes de emergência, revisão judicial) devem ser aperfeiçoados.
· Ameaça contínua ao constitucionalismo liberal.
· A UE deve reforçar os mecanismos de defesa e solidariedade.
· Práticas constitucionais divergentes entre Estados-membros.
· Risco de incoerência jurídica e desigualdade democrática.
· A UE precisa de uma narrativa constitucional convincente.
· O equilíbrio entre unidade e diversidade continua a ser o desafio central.
O constitucionalismo europeu não é um destino fixo é uma jornada de adaptação, contestação e imaginação. Seja através da reforma federal, dos direitos digitais, da justiça ecológica ou da renovação democrática, o futuro constitucional da Europa dependerá da sua capacidade de permanecer fiel aos princípios e aberto à transformação.
· Tratados TUE e TFUE
· Carta dos Direitos Fundamentais da UE
· Lei Europeia do Clima - Regulamento (UE) 2021/1119
· Proposta de Regulamento da IA - COM/2021/206
· Weiler, J.H.H. The Constitution of Europe. Cambridge University Press, 1999
· Grimm, D. Constitutionalism: Past, Present, and Future. Oxford University Press, 2016
· Kumm, M. “Beyond Sovereignty and Constitutionalism.” Global Constitutionalism, 2012
· Kotzé, L.J. “Global Environmental Constitutionalism.” Transnational Environmental Law, 2012
· Müller, J.-W. Democracy Rules. Farrar, Straus and Giroux, 2021