JORGE RODRIGUES SIMÃO
2025
Exploração profunda do Direito do Turismo em Macau, abordando regulação jurídica, património cultural e perspectivas futuras. Um olhar crítico sobre políticas públicas, protecção ao turista e desenvolvimento sustentável no sector.
O turismo, enquanto fenómeno económico, social e cultural, ocupa hoje um lugar central na vida contemporânea. Macau, com vocação histórica para o acolhimento e com uma diversidade territorial e patrimonial ímpar, o turismo representa não apenas uma actividade estratégica, mas também uma prática civilizacional que exige regulação jurídica sensível, eficaz e actualizada.
O presente livro propõe-se a estudar o Direito do Turismo em Macau como ramo autónomo e interdisciplinar, articulando normas jurídicas, políticas públicas, práticas económicas e valores éticos. A obra parte da convicção de que o turismo não é apenas objecto de regulação mas também espaço de produção normativa, de conflito de interesses e de construção de cidadania.
A relevância jurídica do turismo decorre de múltiplos factores:
· A sua transversalidade normativa, que envolve Direito Administrativo, Comercial, Urbanístico, Ambiental, Internacional e do Consumo;
· O seu impacto na configuração do território, na protecção do património e na sustentabilidade ecológica;
· A crescente complexidade dos contratos turísticos, das plataformas digitais e dos regimes de responsabilidade;
· A necessidade de garantir direitos fundamentais aos turistas e às comunidades anfitriãs, incluindo o direito à memória, à hospitalidade e à inclusão.
Num contexto de globalização, digitalização e crise climática, o Direito do Turismo assume um papel estratégico na mediação entre interesses económicos, valores culturais e exigências éticas. Em Macau, esta regulação ganha contornos específicos, dada a importância do sector no PIB, a diversidade do regime jurídico aplicável e a vocação internacional da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM).
A metodologia adoptada nesta obra é interdisciplinar, crítica e sistemática. O estudo parte da análise das fontes normativas locais e internacionais, da jurisprudência relevante, dos planos estratégicos e dos documentos técnicos da entidade reguladora. Complementa-se com uma abordagem filosófica e ética, que permite problematizar os limites e possibilidades do Direito do Turismo.
Os principais objectivos são:
· Sistematizar o regime jurídico do turismo na RAEM, com especial atenção às suas interacções com o ordenamento do território, o património cultural, o ambiente e os direitos dos consumidores;
· Identificar lacunas, tensões e desafios emergentes na regulação turística;
· Propor modelos jurídicos inovadores, sustentáveis e inclusivos;
· Contribuir para a consolidação do Direito do Turismo como ramo autónomo e relevante no contexto jurídico actual.
O objecto de estudo desta obra é o Direito do Turismo de Macau, entendido como o conjunto de normas, princípios, instituições e práticas jurídicas que regulam a actividade turística na RAEM.
A análise incide sobre:
· O regime jurídico das actividades turísticas (alojamento, agências, guias, plataformas digitais);
· A protecção dos direitos dos turistas e da comunidade local;
· A articulação entre turismo, ordenamento do território e património cultural;
· A regulação da sustentabilidade, da inovação tecnológica e da hospitalidade ética.
Excluem-se, por razões de delimitação temática, os estudos comparativos com outros ordenamentos jurídicos, salvo quando necessário para contextualização internacional. A obra foca-se no quadro normativo da RAEM, com referência às normas vigentes e aos instrumentos internacionais relevantes.
O Capítulo 1 referente à Introdução ao Direito do Turismo em Macau, que inaugura a Parte I da obra Direito do Turismo em Maca: Regulação, Cultura e Futuro estabelece o enquadramento jurídico e político da RAEM, apresentando o turismo como política estratégica e identifica as principais fontes normativas locais e internacionais.
A RAEM, criada ao abrigo da Lei Básica da República Popular da China, goza de um elevado grau de autonomia, incluindo poderes legislativos e administrativos próprios. Este enquadramento jurídico singular permite à RAEM desenvolver políticas públicas adaptadas às suas especificidades culturais, económicas e territoriais.
O turismo, enquanto sector estratégico, é regulado por um conjunto de normas que reflectem tanto a herança jurídica portuguesa como os princípios do ordenamento chinês. A coexistência de sistemas jurídicos e a autonomia legislativa da RAEM conferem ao Direito do Turismo uma configuração híbrida, dinâmica e profundamente contextualizada.
A Lei Básica (artigos 118.º e 119.º) reconhece expressamente a importância do turismo e da indústria de lazer como pilares do desenvolvimento económico da região, legitimando a criação de regimes jurídicos específicos para a sua promoção e regulação.
Desde a transferência de soberania em 1999, o turismo tem sido uma das principais alavancas económicas da RAEM. A aposta em grandes infra-estruturas hoteleiras, eventos internacionais e valorização do património cultural posicionou Macau como um dos destinos mais visitados da Ásia.
O Governo da RAEM tem adoptado sucessivos planos estratégicos para o sector, com destaque para:
· A diversificação da oferta turística (além do jogo e do entretenimento);
· A valorização da identidade multicultural de Macau;
· A promoção da sustentabilidade e da inovação tecnológica.
O turismo é, portanto, mais do que uma actividade económica. É uma política pública transversal, que exige regulação jurídica integrada, eficaz e sensível às transformações sociais e ambientais.
O Direito do Turismo em Macau assenta num conjunto articulado de fontes normativas:
a) Fontes locais
· Lei n.º 33/2022 – Regime Jurídico do Turismo: estabelece os princípios, os direitos e deveres dos operadores turísticos, os requisitos de licenciamento, os mecanismos de fiscalização e as sanções aplicáveis.
· Regulamentos administrativos e despachos: regulam aspectos técnicos e operacionais, como a classificação de estabelecimentos hoteleiros, a actividade dos guias turísticos e a organização de eventos.
· Lei Básica da RAEM: enquadra constitucionalmente a autonomia legislativa e a competência para definir políticas turísticas.
b) Fontes internacionais
· Instrumentos da OMT: como o Código Global de Ética para o Turismo e os relatórios sobre turismo sustentável, digital e inclusivo.
· Convenções multilaterais: incluindo tratados sobre património cultural (UNESCO), protecção do consumidor (UNCTAD) e mobilidade internacional.
· Direito comparado: experiências jurídicas de outras regiões administrativas especiais, como Hong Kong, e de países lusófonos com tradição turística.
A articulação entre estas fontes permite construir um regime jurídico do turismo que seja simultaneamente local e global, técnico e ético, normativo e simbólico.
· Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China
· Lei n.º 33/2022 – Regime Jurídico do Turismo da RAEM
· Organização Mundial do Turismo (2020). Tourism and Law. Madrid: UNWTO
· Direcção dos Serviços de Turismo da RAEM. Plano de Desenvolvimento Turístico Sustentável 2020-2025
· Chan, M. (2019). Tourism Development in Macau. Hong Kong University Press
A história do turismo em Macau é inseparável da sua condição geopolítica singular como enclave europeu na Ásia durante mais de quatro séculos, ponto de encontro entre culturas, e hoje Região Administrativa Especial da China com autonomia legislativa. Esta trajectória moldou não apenas a identidade turística da região, mas também os seus regimes jurídicos e as suas práticas institucionais.
Durante o domínio português, Macau foi sobretudo um entreposto comercial e religioso. O turismo, enquanto prática organizada, era incipiente, mas já se esboçava nas visitas de comerciantes, missionários e viajantes europeus que viam na cidade uma “porta da China”.
A partir do século XIX, com o declínio da importância comercial de Macau e o crescimento de Hong Kong, a cidade começou a promover-se como destino de lazer e contemplação, valorizando o seu património arquitectónico, os jardins, os templos e a gastronomia sino-portuguesa.
A ausência de uma política turística estruturada foi compensada por uma imagem de exotismo e tranquilidade, que atraiu visitantes em busca de autenticidade e diferença.
Nas décadas de 1950 a 1970, Macau consolidou-se como destino turístico regional, especialmente para visitantes de Hong Kong. O jogo, legalizado e institucionalizado, tornou-se o principal atractivo, com os primeiros casinos modernos a emergirem como motores económicos.
O turismo era então regulado por normas dispersas, com forte intervenção do Estado português, mas sem um regime jurídico autónomo. A actividade turística crescia, mas carecia de uma política integrada e de uma visão estratégica.
Com a assinatura da Declaração Conjunta Luso-Chinesa (1987) e a aproximação da transferência de soberania (1999), Macau iniciou um processo de reconfiguração institucional. O turismo foi identificado como sector prioritário para a futura RAEM, e começaram a ser delineadas políticas públicas específicas.
Durante este período, destacam-se:
· A criação da Direcção dos Serviços de Turismo;
· A valorização do património histórico como activo turístico;
· A preparação de um quadro jurídico próprio para o sector.
Após 1999, o turismo tornou-se uma das principais políticas estratégicas da RAEM. O Governo investiu em grandes infra-estruturas, como o Cotai Strip, e promoveu Macau como “Centro Mundial de Turismo e Lazer”.
A regulação jurídica acompanhou este crescimento, com destaque para:
· A promulgação da Lei n.º 33/2022 – Regime Jurídico do Turismo, que sistematiza os direitos e deveres dos operadores e turistas;
· A criação de regimes específicos para alojamento, agências, guias e eventos;
· A articulação com normas internacionais, como as da OMT.
O turismo em Macau passou a ser entendido como prática económica, cultural e simbólica, exigindo regulação jurídica integrada, ética e sustentável.
A inscrição do Centro Histórico de Macau na lista do Património Mundial da UNESCO (2005) marcou uma viragem na valorização do turismo cultural. A cidade passou a promover-se como espaço de encontro entre Oriente e Ocidente, com destaque para:
· A arquitectura luso-chinesa;
· As festividades religiosas e populares;
· A gastronomia como expressão identitária.
O Direito passou a actuar também como instrumento de protecção simbólica, regulando o uso turístico do património e garantindo a autenticidade das experiências.
Hoje, o turismo em Macau enfrenta novos desafios:
· A diversificação da oferta para além do jogo;
· A sustentabilidade ambiental e social;
· A regulação das plataformas digitais e da inteligência artificial;
· A protecção dos direitos dos turistas e das comunidades locais.
A evolução histórica do turismo em Macau revela uma trajectória de adaptação, criatividade e tensão entre tradição e inovação. O Direito é chamado a acompanhar essa evolução com sensibilidade, rigor e visão estratégica.
· Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau
· Lei n.º 33/2022 – Regime Jurídico do Turismo
· Chan, M. (2019). Tourism Development in Macau. Hong Kong University Press
· Direcção dos Serviços de Turismo da RAEM. Plano de Desenvolvimento Turístico Sustentável 2020–2025
· UNESCO (2005). Inscrição do Centro Histórico de Macau como Património Mundial
· Porter, J. (2015). Macau: Cultural Heritage and Tourism
Parte II
Regimes Jurídicos e Institucionais
O Capítulo 3 referente ao Regime Jurídico das Actividades Turísticas em Macau, que inaugura a Parte II da obra Direito do Turismo em Macau: Regulação, Cultura e Futuro aprofunda a estrutura normativa que regula os operadores turísticos, os requisitos legais de funcionamento e os mecanismos de fiscalização e sanção, com base na legislação vigente da RAEM.
O turismo em Macau é uma actividade económica regulada com elevado grau de especificidade. A diversidade de operadores desde agências de viagens a estabelecimentos hoteleiros, passando por guias turísticos e organizadores de eventos exige um regime jurídico claro, eficaz e adaptado à realidade multicultural e dinâmica da RAEM.
A Lei n.º 33/2022, que estabelece o Regime Jurídico do Turismo, constitui o principal instrumento normativo que organiza, disciplina e fiscaliza as actividades turísticas em Macau. Este capítulo analisa os seus principais dispositivos, articulando-os com regulamentos administrativos e práticas institucionais.
A legislação da RAEM distingue várias categorias de actividades turísticas, cada uma com requisitos próprios:
· Agências de viagens e operadores turísticos: responsáveis pela organização, venda e intermediação de serviços turísticos.
· Estabelecimentos hoteleiros e similares: sujeitos a classificação oficial, normas de higiene, segurança e acessibilidade.
· Guias turísticos: profissionais credenciados, com formação específica e deveres éticos.
· Organização de eventos e animação turística: actividades que requerem licenciamento especial, sobretudo em espaços públicos.
Cada categoria está sujeita a regras de licenciamento, fiscalização e responsabilidade civil, com vista à protecção do consumidor e à qualidade da experiência turística.
O exercício de actividades turísticas em Macau depende de licenciamento prévio, concedido pela Direcção dos Serviços de Turismo (DST). Os requisitos incluem:
· Apresentação de documentação legal e técnica;
· Cumprimento de normas urbanísticas, ambientais e de segurança;
· Prova de idoneidade e capacidade técnica dos responsáveis.
A Lei n.º 33/2022 introduz mecanismos de simplificação administrativa, mas mantém exigências rigorosas para garantir a qualidade e a legalidade da oferta turística.
A fiscalização das actividades turísticas é da competência da DST, que pode actuar de forma preventiva, correctiva ou sancionatória.
Os mecanismos incluem:
· Inspecções regulares e extraordinárias;
· Aplicação de coimas, suspensão ou revogação de licenças;
· Publicação de listas de operadores autorizados e infractores.
A legislação prevê também o direito de defesa e o recurso hierárquico, garantindo o princípio do contraditório e a proporcionalidade das sanções.
Os operadores turísticos estão sujeitos a responsabilidade civil por danos causados aos consumidores, incluindo:
· Incumprimento contratual;
· Informação enganosa ou omissa;
· Falhas na prestação de serviços.
A Lei de Defesa do Consumidor da RAEM complementa o regime turístico, assegurando direitos como:
· Informação clara e acessível;
· Reembolso em caso de cancelamento;
· Assistência em situações de emergência.
O sistema jurídico de Macau procura equilibrar os interesses económicos dos operadores com a protecção efectiva dos turistas, nacionais e estrangeiros.
O regime jurídico das actividades turísticas enfrenta novos desafios:
· A regulação das plataformas digitais e do alojamento informal;
· A integração de critérios de sustentabilidade e inclusão;
· A adaptação às exigências sanitárias pós-pandemia;
· A formação contínua dos profissionais do sector.
A legislação deverá evoluir para incorporar princípios éticos, tecnológicos e ambientais, consolidando Macau como destino turístico regulado, seguro e inovador.
· Lei n.º 33/2022 – Regime Jurídico do Turismo da RAEM
· Regulamento Administrativo n.º 38/2023 - Licenciamento de Actividades Turísticas
· Lei de Defesa do Consumidor da RAEM
· Direcção dos Serviços de Turismo da RAEM - Guias Técnicos e Relatórios de Fiscalização
· Costa, J. (2021). Direito do Turismo. Coimbra: Almedina
· UNWTO (2020). Tourism and Law. Madrid: Organização Mundial do Turismo
O turismo é uma actividade que envolve múltiplas relações de consumo, desde a aquisição de pacotes turísticos à reserva de alojamento, passando pela contratação de serviços de transporte, alimentação e lazer. Em Macau, o turista é juridicamente reconhecido como consumidor e beneficiário de um conjunto de direitos que visam garantir a transparência, a segurança e a qualidade da experiência turística.
Este capítulo analisa o enquadramento jurídico da protecção do consumidor turístico na RAEM, articulando o Regime Jurídico do Turismo (Lei n.º 33/2022) com a Lei de Defesa do Consumidor, e explorando os mecanismos de responsabilização, resolução de litígios e adaptação às novas realidades digitais.
O turista, nacional ou estrangeiro, é considerado consumidor sempre que adquire ou utiliza bens e serviços turísticos para fins não profissionais. Esta qualificação jurídica confere-lhe os seguintes direitos fundamentais:
· Direito à informação clara, verdadeira e acessível sobre os serviços contratados;
· Direito à segurança física, sanitária e contratual;
· Direito à reparação por danos causados por incumprimento ou má prestação de serviços;
· Direito à liberdade de escolha e à não discriminação.
Estes direitos são reforçados por princípios éticos internacionais, como os consagrados no Código Global de Ética para o Turismo da OMT, que reconhece o turista como sujeito de dignidade e respeito.
Os contratos turísticos celebrados em Macau sejam presenciais ou digitais estão sujeitos ao regime geral das obrigações e à legislação específica de defesa do consumidor. A Lei de Defesa do Consumidor da RAEM proíbe cláusulas abusivas, nomeadamente:
· Exclusão ou limitação injustificada da responsabilidade do operador;
· Penalizações desproporcionadas em caso de cancelamento ou alteração;
· Renúncia antecipada a direitos legalmente reconhecidos.
O operador turístico tem o dever de redigir contratos claros, equilibrados e conformes com os princípios da boa-fé e da equidade. Em caso de ambiguidade, prevalece a interpretação mais favorável ao consumidor.
A responsabilidade civil dos operadores turísticos pode ser:
· Contratual, quando decorre do incumprimento das obrigações assumidas;
· Extracontratual, quando resulta de actos ilícitos que causam prejuízo ao turista.
São exemplos de situações geradoras de responsabilidade:
· Cancelamento injustificado de reservas;
· Prestação de serviços em condições inferiores às contratadas;
· Omissão de informação relevante sobre riscos ou limitações.
A jurisprudência da RAEM tem reconhecido o dever de indemnização em casos de falha grave, especialmente quando há violação de expectativas legítimas ou risco à integridade física ou emocional do turista.
O sistema jurídico de Macau oferece várias vias para resolução de conflitos entre turistas e operadores:
· Reclamação administrativa junto da DST, que pode mediar e fiscalizar;
· Mediação e arbitragem voluntária, promovidas por entidades públicas ou privadas;
· Acção judicial, nos tribunais da RAEM, com possibilidade de recurso.
A mediação é incentivada como forma célere e menos onerosa de resolução, especialmente em litígios de baixo valor económico. A DST disponibiliza canais digitais para apresentação de queixas e acompanhamento dos processos.
Com o crescimento das plataformas digitais, surgem novos desafios jurídicos:
· Contratos celebrados online com operadores estrangeiros, fora da jurisdição da RAEM;
· Falta de transparência nos algoritmos de recomendação e nos sistemas de classificação;
· Dificuldade de responsabilização em casos de fraude, overbooking ou publicidade enganosa.
A legislação da RAEM tem vindo a adaptar-se, exigindo:
· Informação pré-contratual clara e acessível nos sites e aplicações;
· Protecção de dados pessoais dos turistas, ao abrigo da Lei n.º 8/2005;
· Responsabilidade solidária entre plataformas digitais e operadores locais.
O futuro da protecção do consumidor turístico dependerá da capacidade de regular ambientes digitais sem comprometer a liberdade de inovação e a qualidade da experiência.
· Lei n.º 33/2022 - Regime Jurídico do Turismo da RAEM
· Lei de Defesa do Consumidor da RAEM
· Lei n.º 8/2005 - Proteção de Dados Pessoais
· Direcção dos Serviços de Turismo - Guias de Direitos do Turista
· UNCTAD (2020). Consumer Protection in Tourism
· Organização Mundial do Turismo (2019). Global Code of Ethics for Tourism
· Almeida, R. (2018). Direito do Consumo e Turismo
Capítulo 5
Turismo e Ordenamento do Território em Macau
5.1. Introdução
O ordenamento do território é uma dimensão essencial da política turística. Em Macau, onde o espaço urbano é limitado e densamente ocupado, a articulação entre turismo e planeamento urbano exige uma abordagem jurídica integrada, que equilibre desenvolvimento económico, protecção patrimonial e qualidade de vida.
Este capítulo analisa os instrumentos legais que regulam o uso turístico do território, os impactos da turistificação e as estratégias jurídicas para garantir um turismo sustentável e habitável.
5.2. Enquadramento jurídico do ordenamento territorial
O ordenamento do território na RAEM é regulado por um conjunto de diplomas legais e administrativos, com destaque para:
A Direcção dos Serviços de Solos e Construção Urbana (DSSCU) e a Direcção dos Serviços de Obras Públicas (DSOP) e o Instituto para os Assuntos Municipais (IAM) são os principais órgãos responsáveis pela aplicação e fiscalização destas normas.
5.3. Zonas turísticas e usos do solo
Macau possui zonas claramente vocacionadas para o turismo, como:
O uso do solo nestas zonas é condicionado por:
A legislação procura evitar a sobrecarga turística, promovendo a diversificação territorial e a valorização de zonas menos exploradas.
5.4. Impactos da turistificação
A turistificação ou transformação intensiva de áreas urbanas em espaços turísticos levanta desafios jurídicos relevantes:
O Direito é chamado a mediar esses conflitos, garantindo que o turismo não compromete o direito à cidade, à memória e à habitação digna.
5.5. Instrumentos jurídicos de gestão turística do território
Para enfrentar os desafios da turistificação, a RAEM dispõe de instrumentos jurídicos como:
Estes instrumentos devem ser articulados com políticas de participação pública, transparência e justiça territorial.
5.6. Turismo rural e natural em Macau
Apesar da forte urbanização, Macau possui áreas de valor natural e rural, como:
A legislação deve proteger estes espaços contra a pressão imobiliária e garantir que o turismo aí praticado respeita os princípios da sustentabilidade, da educação ambiental e da inclusão.
5.7. Perspectivas futuras
O ordenamento do território em Macau deverá evoluir para:
O Direito pode ser instrumento de equilíbrio entre desenvolvimento e cuidado, atracção, pertença, economia e dignidade urbana.
Bibliografia:
Parte III
Turismo, Cultura e Património
Macau é um território marcado por uma herança cultural única, fruto do encontro entre tradições chinesas e portuguesas. Esta singularidade histórica e simbólica constitui um dos principais activos turísticos da RAEM, exigindo uma regulação jurídica que proteja, valorize e articule o património com a actividade turística.
Este capítulo analisa o regime jurídico do património cultural em Macau, os mecanismos de classificação e protecção, e os desafios da sua utilização turística, com especial atenção à tensão entre autenticidade, comercialização e sustentabilidade.
O património cultural em Macau é regulado pela Lei n.º 11/2013 - Regime Jurídico da Protecção do Património Cultural, que define:
· O conceito de património material e imaterial;
· Os critérios de classificação e inventariação;
· Os deveres de conservação, fiscalização e intervenção.
Esta lei articula-se com o Regime Jurídico do Turismo (Lei n.º 33/2022), que reconhece o património como elemento estruturante da oferta turística e impõe obrigações aos operadores quanto à sua preservação e respeito.
A classificação do património cultural em Macau pode assumir várias formas:
· Monumento: edifício ou estrutura com valor histórico, artístico ou científico;
· Conjunto: grupo de bens com coerência arquitectónica ou urbanística;
· Sítio: espaço natural ou construído com valor simbólico ou ambiental;
· Património imaterial: práticas, saberes, festividades e expressões culturais.
O Instituto Cultural de Macau (ICM) é responsável pela instrução dos processos de classificação, que devem incluir parecer técnico, consulta pública e fundamentação histórica.
O património cultural é um dos pilares da identidade turística de Macau. A sua valorização inclui:
· A inscrição do Centro Histórico de Macau como Património Mundial da UNESCO (2005);
· A promoção de roteiros culturais, festivais e experiências imersivas;
· A integração do património na narrativa turística oficial da RAEM.
Contudo, esta valorização implica riscos:
· Comercialização excessiva da memória;
· Descaracterização arquitectónica por adaptações turísticas;
· Exclusão de narrativas comunitárias em favor de discursos oficiais.
O Direito deve actuar como mediador entre valorização económica e integridade cultural.
A actividade turística em zonas classificadas está sujeita a restrições específicas:
· Limites à instalação de estabelecimentos comerciais;
· Regras de sinalética, iluminação e acessibilidade;
· Proibição de obras que alterem a volumetria ou a fachada dos edifícios protegidos.
Os operadores turísticos devem obter licenças especiais e cumprir planos de gestão patrimonial, que incluem medidas de conservação, educação e envolvimento comunitário.
O património imaterial como festividades religiosas, gastronomia, artes performativas e saberes tradicionais tem ganhado destaque na oferta turística de Macau. A sua protecção jurídica exige:
· Inventariação rigorosa e actualizada;
· Reconhecimento das comunidades detentoras;
· Regulação da sua utilização comercial, com respeito pela autenticidade.
O turismo experiencial deve ser regulado para evitar a folclorização ou a apropriação indevida de práticas culturais.
A relação entre turismo e património cultural levanta questões éticas:
· Quem decide o que é património?
· Quem beneficia da sua exploração turística?
· Como garantir que a memória não se torna mercadoria?
O Direito pode responder com:
· Mecanismos de participação comunitária nos processos de classificação;
· Cláusulas de justiça simbólica nos contratos turísticos;
· Certificações éticas para operadores que respeitem o património.
Macau, pela sua complexidade histórica, pode ser referência internacional na construção de um modelo jurídico de turismo patrimonial sensível, plural e regenerativo.
· Lei n.º 11/2013 - Regime Jurídico da Proteção do Património Cultural da RAEM
· Lei n.º 33/2022 - Regime Jurídico do Turismo da RAEM
· UNESCO (2005). Centro Histórico de Macau - Património Mundial
· Direcção dos Serviços de Cultura – Inventário do Património Cultural
· Figueiredo, A. (2017). Direito do Património Cultural. Coimbra: Almedina
· Hall, S. (1997). Cultural Identity and Tourism
· Santos, B. (2018). Epistemologias do Sul
Macau é um território marcado por uma convivência histórica entre culturas chinesa, portuguesa e outras influências asiáticas e internacionais. Esta diversidade é um dos principais atractivos turísticos da RAEM, mas também um desafio jurídico e ético: como garantir que o turismo respeita, representa e valoriza essa pluralidade sem a reduzir a estereótipos ou mercantilização?
Este capítulo analisa o enquadramento jurídico da diversidade cultural em Macau, os mecanismos de protecção identitária e os modelos turísticos que promovem inclusão, autenticidade e justiça simbólica.
A diversidade cultural é reconhecida como valor jurídico na RAEM através de:
· A Lei Básica, que garante a preservação das tradições culturais locais;
· A Lei n.º 11/2013, que protege o património imaterial e as expressões culturais;
· Os compromissos internacionais assumidos por Macau, como a Convenção da UNESCO sobre a Diversidade das Expressões Culturais (2005).
Estes instrumentos reconhecem que a cultura não é apenas herança mas também prática viva, plural e em constante transformação. O turismo deve ser regulado para proteger essa vitalidade.
A forma como Macau se apresenta ao turista envolve escolhas narrativas e simbólicas:
· A promoção da “Macau luso-chinesa” como identidade oficial;
· A valorização de festividades como o Ano Novo Chinês, o Festival da Lusofonia e o Festival do Barco-Dragão;
· A gastronomia como síntese cultural e experiência turística.
O Direito pode intervir para garantir que essa representação:
· Respeita a autenticidade das práticas culturais;
· Inclui vozes comunitárias na construção da narrativa turística;
· Evita a folclorização ou a simplificação identitária.
A interculturalidade no turismo exige regulação em múltiplas dimensões:
· Formação dos profissionais turísticos em competências interculturais e ética da hospitalidade;
· Licenciamento de eventos e experiências que envolvam práticas culturais sensíveis;
· Protecção contra discriminação nos serviços turísticos, incluindo língua, religião, origem étnica ou orientação sexual.
A legislação da RAEM deve evoluir para incorporar cláusulas de inclusão e respeito à diversidade nos contratos turísticos, nos regulamentos de alojamento e nas políticas públicas de promoção.
A diversidade cultural de Macau não é apenas institucional mas também é vivida pelas comunidades locais. O turismo pode ser uma oportunidade de valorização ou uma ameaça de descaracterização.
O Direito deve garantir:
· Mecanismos de consulta comunitária na definição de roteiros e eventos;
· Modelos de turismo participativo, que envolvam residentes na criação e gestão de experiências;
· Protecção contra deslocamento urbano e perda de espaços culturais por pressão turística.
A justiça cultural exige que o turismo não seja apenas sobre o visitante mas também sobre quem habita, cria e preserva a cultura.
A diversidade cultural no turismo levanta questões éticas complexas:
· Quem tem o direito de representar uma cultura?
· Como evitar a apropriação cultural?
· Como garantir que a diferença não se torna espectáculo?
O Direito pode responder com:
· Certificações éticas para operadores que respeitem a diversidade;
· Cláusulas de justiça simbólica nos contratos turísticos;
· Regimes de protecção da cultura viva, com apoio jurídico às comunidades detentoras.
Macau, pela sua história de convivência e pluralidade, pode ser laboratório jurídico para um turismo intercultural, inclusivo e transformador.
· Lei Básica da RAEM
· Lei n.º 11/2013 - Regime Jurídico da Proteção do Património Cultural
· Convenção da UNESCO sobre a Diversidade das Expressões Culturais (2005)
· Direcção dos Serviços de Turismo - Plano Estratégico de Turismo Cultural
· Hall, S. (1997). Cultural Identity and Tourism
· Mendes, C. (2022). Turismo e Interculturalidade. Lisboa: Edições 70
· Santos, B. (2018).
Parte IV
Turismo Digital, Sustentável e Inteligente
A digitalização do turismo transformou radicalmente a forma como os serviços turísticos são concebidos, contratados e experienciados. Em Macau, esta revolução tecnológica trouxe novas oportunidades de inovação, mas também desafios jurídicos complexos desde a regulação de plataformas de reservas até à protecção de dados pessoais e à transparência algorítmica.
Este capítulo analisa o enquadramento jurídico do turismo digital na RAEM, com foco nas plataformas online, nos contratos electrónicos, na responsabilidade dos operadores e nos mecanismos de regulação ética e concorrencial.
O turismo digital abrange todas as actividades turísticas mediadas por tecnologias digitais, incluindo:
· Plataformas de reservas (alojamento, transporte e experiências);
· Aplicações móveis de orientação, tradução e recomendação;
· Sistemas de inteligência artificial para personalização da oferta;
· Contratos electrónicos e pagamentos digitais.
Estas práticas exigem uma actualização constante do quadro jurídico, para garantir que os direitos dos consumidores, a concorrência leal e a protecção dos dados são respeitados.
As plataformas digitais que operam em Macau estão sujeitas a múltiplos regimes jurídicos:
· Lei n.º 33/2022 - Regime Jurídico do Turismo: aplica-se aos operadores turísticos que utilizam plataformas digitais como canal de venda ou intermediação.
· Lei n.º 8/2005 - Protecção de Dados Pessoais: regula o tratamento de dados dos utilizadores, incluindo localização, preferências e histórico de consumo.
· Regulamentos administrativos sobre comércio electrónico: definem obrigações de informação, segurança e responsabilidade contratual.
As plataformas devem garantir:
· Informação clara e acessível sobre os serviços oferecidos;
· Identificação dos operadores responsáveis;
· Mecanismos de reclamação e resolução de litígios.
Os contratos celebrados por via digital estão sujeitos às regras gerais do Direito das Obrigações, com adaptações específicas:
· O consumidor deve ter acesso a todas as cláusulas antes da aceitação;
· Deve ser garantido o direito de arrependimento, nos prazos legais;
· A prova da celebração do contrato pode ser feita por registo digital, correio electrónico ou confirmação electrónica.
A Lei de Defesa do Consumidor da RAEM aplica-se integralmente aos contratos turísticos digitais, incluindo os celebrados com operadores estrangeiros que actuem no território.
A responsabilidade jurídica pode ser:
· Directa, quando a plataforma é também fornecedora do serviço;
· Solidária, quando intermedeia entre o consumidor e o operador;
· Subsidiária, quando facilita o contacto mas não participa na transacção.
A jurisprudência da RAEM tem evoluído no sentido de reconhecer a responsabilidade das plataformas em casos de publicidade enganosa, falhas de segurança ou omissão de informação relevante.
A utilização de algoritmos para recomendar serviços turísticos levanta questões jurídicas e éticas:
· Como garantir que os critérios de recomendação são transparentes?
· Como evitar discriminação algorítmica ou manipulação comercial?
· Como proteger o consumidor da opacidade tecnológica?
O Direito pode intervir com:
· Obrigações de explicabilidade dos algoritmos;
· Auditorias regulares às plataformas;
· Certificações éticas para sistemas de inteligência artificial aplicados ao turismo.
As plataformas digitais também desafiam os regimes tradicionais de licenciamento e concorrência:
· A proliferação de alojamento informal através de plataformas como Airbnb;
· A concorrência desleal com operadores licenciados;
· A evasão fiscal e a pressão sobre o mercado habitacional.
A RAEM tem adoptado medidas para:
· Exigir registo e licenciamento de unidades de alojamento local;
· Fiscalizar a actividade das plataformas digitais;
· Promover a equidade concorrencial entre operadores tradicionais e digitais.
A regulação do turismo digital em Macau deverá evoluir para:
· Integrar princípios de justiça digital e protecção algorítmica;
· Reforçar a cooperação internacional na fiscalização de plataformas transfronteiriças;
· Promover a literacia digital dos consumidores e dos operadores;
· Criar um regime jurídico específico para o turismo mediado por inteligência artificial.
Macau, pela sua vocação tecnológica e turística, pode ser referência na construção de um modelo jurídico de turismo digital ético, transparente e inovador.
· Lei n.º 33/2022 - Regime Jurídico do Turismo da RAEM
· Lei n.º 8/2005 - Proteção de Dados Pessoais
· Lei de Defesa do Consumidor da RAEM
· Direcção dos Serviços de Turismo - Relatórios sobre Turismo Digital
· OCDE (2021). Digital Tourism Regulation
· Pinto, L. (2023). Turismo e Tecnologia. Lisboa: Almedina
· UNWTO (2022). Tourism and Artificial Intelligence
O turismo sustentável é hoje uma exigência ética, ecológica e jurídica. Em Macau, onde o território é limitado e a pressão turística intensa, a sustentabilidade não pode ser apenas retórica mas deve ser estruturada por normas, políticas públicas e compromissos intergeracionais. Este capítulo analisa o enquadramento jurídico da sustentabilidade turística na RAEM, os instrumentos de regulação ambiental e social, e o papel do Direito na protecção dos direitos das gerações futuras.
Segundo a OMT, o turismo sustentável é aquele que:
· Respeita o ambiente, a cultura e as comunidades locais;
· Garante benefícios económicos equitativos;
· Preserva os recursos para as gerações futuras.
Na RAEM, este conceito é incorporado em diversos diplomas, como:
· A Lei n.º 9/2020 - Política Ambiental da RAEM;
· A Lei n.º 33/2022 - Regime Jurídico do Turismo, que inclui princípios de sustentabilidade na actividade turística;
· Os Planos Estratégicos de Desenvolvimento Turístico, que definem metas ecológicas e sociais.
A sustentabilidade turística em Macau é promovida por vários instrumentos legais:
· Licenciamento ambiental para empreendimentos turísticos em zonas sensíveis;
· Certificações ecológicas para hotéis, operadores e eventos;
· Planos de gestão de resíduos e eficiência energética nos estabelecimentos turísticos;
· Regimes de protecção da biodiversidade em áreas naturais como Coloane e zonas costeiras.
Estes instrumentos visam garantir que o turismo não compromete os ecossistemas, a saúde pública e a qualidade de vida dos residentes.
A justiça intergeracional é um princípio jurídico que exige que as decisões presentes respeitem os direitos das gerações futuras.
No contexto do turismo, isso implica:
· Planeamento urbano que preserve espaços verdes e culturais;
· Regulação da capacidade de carga turística;
· Educação ambiental dos operadores e dos turistas;
· Avaliação de impacto a longo prazo nas políticas públicas.
O Direito pode incorporar este princípio através de cláusulas legais, indicadores de sustentabilidade e mecanismos de participação cidadã.
Mais do que sustentável, o turismo pode ser regenerativo ou seja, capaz de devolver ao território mais do que consome.
Isso exige:
· Modelos de turismo comunitário e circular;
· Incentivos fiscais para práticas ecológicas e inclusivas;
· Regimes jurídicos que valorizem o cuidado, a reconexão e a restauração.
Macau pode ser pioneira na criação de um estatuto jurídico do turismo regenerativo, com critérios claros, certificações éticas e envolvimento das comunidades locais.
A sustentabilidade turística deve ser mensurável.
A RAEM pode adoptar:
· Indicadores de carga turística por zona e por tipo de actividade;
· Relatórios obrigatórios de impacto ambiental e social;
· Fiscalização integrada entre os serviços de turismo, ambiente e urbanismo.
O Direito deve garantir que esses indicadores são públicos, auditáveis e utilizados para orientar decisões políticas e empresariais.
A sustentabilidade não depende apenas da lei mas também da cultura jurídica e da consciência colectiva.
A RAEM pode promover:
· Formação obrigatória em sustentabilidade para profissionais do sector;
· Campanhas educativas para turistas sobre práticas responsáveis;
· Parcerias com escolas, universidades e ONGs para disseminar valores ecológicos e intergeracionais.
O Direito pode reconhecer a educação ambiental como dever institucional e como condição para o exercício da actividade turística.
· Lei n.º 9/2020 - Política Ambiental da RAEM
· Lei n.º 33/2022 - Regime Jurídico do Turismo
· Organização Mundial do Turismo (2022). Tourism and Sustainability
· Direcção dos Serviços de Turismo - Plano de Desenvolvimento Sustentável 2020–2025
· Santos, B. (2004). A Crítica da Razão Indolente
· Rawls, J. (1971). A Theory of Justice
· UNWTO (2023). Tourism and Climate Action Framework
Parte V
Perspetivas Futuras e Propostas Jurídicas
A pandemia de COVID-19 provocou uma disrupção sem precedentes no sector turístico global. Em Macau, onde o turismo representa um dos pilares económicos e culturais, os efeitos foram particularmente intensos: encerramento de fronteiras, suspensão de actividades, reconfiguração da mobilidade e exigência de novos protocolos sanitários. Este capítulo analisa os desafios jurídicos que emergiram no contexto pós-pandémico, as medidas legislativas adoptadas pela RAEM e as perspectivas para uma regulação mais resiliente, justa e adaptável.
A mobilidade internacional foi profundamente afectada pela pandemia, exigindo:
· Controlo sanitário nas fronteiras, com exigência de testes, certificados de vacinação e quarentenas;
· Suspensão temporária de vistos turísticos, com impacto directo na entrada de visitantes estrangeiros;
· Criação de corredores turísticos seguros, mediante acordos bilaterais e protocolos sanitários.
O Direito foi chamado a regular esta nova realidade, conciliando o princípio da liberdade de circulação com o dever de protecção da saúde pública.
A segurança sanitária tornou-se um elemento central da experiência turística.
A RAEM adoptou:
· A Lei n.º 2/2021 - Medidas Sanitárias em Situação de Emergência, que define os poderes das autoridades de saúde e os deveres dos operadores turísticos;
· Protocolos obrigatórios para hotéis, restaurantes, transportes e eventos, incluindo:
o Higienização reforçada;
o Distanciamento físico;
o Registo digital de visitantes.
Estes dispositivos criaram uma nova dimensão jurídica da hospitalidade, onde o cuidado sanitário é parte integrante da prestação de serviços turísticos.
A pandemia gerou múltiplos litígios relacionados com:
· Cancelamento de reservas e pacotes turísticos;
· Alterações unilaterais de condições contratuais;
· Reembolsos e compensações por serviços não prestados.
A jurisprudência da RAEM tem procurado equilibrar:
· O princípio da força maior e da imprevisibilidade;
· Os direitos dos consumidores à restituição e à informação;
· A protecção dos operadores contra responsabilidades desproporcionadas.
O Direito do Turismo pós-pandemia exige cláusulas contratuais mais claras, flexíveis e equitativas.
A pandemia colocou em tensão vários direitos fundamentais:
· O direito à liberdade de circulação versus o direito à saúde pública;
· O direito à actividade económica versus o direito à segurança sanitária;
· O direito à hospitalidade versus o direito à protecção comunitária.
O Direito deve ser capaz de mediar essas tensões, garantindo que as restrições são proporcionais, temporárias e fundamentadas em evidência científica.
A crise pandémica revelou a vulnerabilidade dos modelos turísticos dependentes de fluxos internacionais.
Em resposta, Macau tem promovido:
· Turismo local e de proximidade, com valorização dos residentes como público-alvo;
· Experiências culturais e ambientais de pequena escala, com menor impacto e maior autenticidade;
· Modelos de turismo comunitário, que reforçam os laços sociais e a economia local.
O Direito pode apoiar esta transição com regimes simplificados de licenciamento, incentivos fiscais e protecção jurídica das iniciativas locais.
O turismo pós-pandemia exige uma regulação mais:
· Flexível, capaz de adaptar-se a crises sanitárias futuras;
· Integrada, articulando saúde, mobilidade, consumo e cultura;
· Justa, que proteja os mais vulneráveis e promova a inclusão;
· Prospectiva, que incorpore cenários de risco e inovação normativa.
Macau pode liderar esta transformação com um modelo jurídico que reconheça o turismo como prática de cuidado, resiliência e reconstrução.
· Lei n.º 2/2021 - Medidas Sanitárias em Situação de Emergência
· Lei n.º 33/2022 - Regime Jurídico do Turismo
· Direcção dos Serviços de Turismo - Relatórios de Recuperação Pós-COVID
· Organização Mundial do Turismo (2022). Tourism Recovery Framework
· WHO & UNWTO (2021). Safe Travel Protocols
· Carvalho, M. (2021). Direito e Pandemia. Lisboa: Almedina
· Santos, B. (2020).
O turismo em Macau tem sido regulado por normas técnicas, administrativas e económicas que garantem o funcionamento do sector. No entanto, os desafios éticos, ambientais, culturais e intergeracionais exigem mais do que gestão pois impõem transformação. Este capítulo propõe um modelo jurídico que ultrapasse a lógica instrumental e promova o turismo como prática de justiça, cuidado e reconstrução simbólica.
Um modelo jurídico transformador do turismo deve assentar em cinco princípios fundamentais:
· Justiça territorial: garantir que o turismo respeita os espaços urbanos, naturais e comunitários;
· Hospitalidade ética: reconhecer o turista como sujeito de direitos, mas também como responsável pela experiência;
· Inclusão cultural: promover a diversidade como valor jurídico e proteger as culturas vivas;
· Responsabilidade intergeracional: assegurar que o turismo não compromete os direitos das gerações futuras;
· Imaginação normativa: permitir que o Direito seja também espaço de criação, utopia e experimentação.
A seguir, apresentam-se propostas jurídicas específicas para consolidar este modelo:
a) Estatuto Jurídico do Turismo Regenerativo
· Definição legal de turismo regenerativo;
· Critérios ecológicos, sociais e culturais para certificação;
· Incentivos fiscais e administrativos para operadores que adoptem práticas regenerativas.
b) Cláusulas de Justiça Simbólica nos Contratos Turísticos
· Reconhecimento da dimensão simbólica da experiência turística;
· Proibição de práticas que banalizem ou instrumentalizem culturas locais;
· Inclusão de compromissos éticos nos termos e condições dos serviços.
c) Regime Jurídico da Hospitalidade Ética
· Direitos e deveres do turista como agente de cuidado;
· Formação obrigatória em ética da hospitalidade para profissionais do sector;
· Mecanismos de mediação cultural e resolução simbólica de conflitos.
d) Estatuto das Comunidades Anfitriãs
· Reconhecimento jurídico das comunidades locais como sujeitos de direitos turísticos;
· Participação obrigatória em processos de planeamento e licenciamento;
· Regimes de protecção contra deslocamento urbano e turistificação excessiva.
e) Observatório Jurídico do Turismo em Macau
· Criação de um órgão independente para monitorizar impactos jurídicos, sociais e ambientais do turismo;
· Produção de relatórios públicos e recomendações legislativas;
· Articulação com universidades, ONGs e instituições internacionais.
Além das reformas legislativas, propõe-se:
· Revisão dos currículos de formação turística, incorporando Direito, ética e cidadania;
· Criação de espaços de escuta comunitária, onde residentes possam influenciar políticas turísticas;
· Promoção de uma cultura jurídica do cuidado, que valorize o turismo como relação e não apenas como transacção.
Macau, pela sua história de convivência, pela sua autonomia legislativa e pela sua vocação turística, pode tornar-se um laboratório internacional de inovação jurídica.
Propõe-se:
· A criação de zonas de experimentação normativa, onde novos modelos de turismo possam ser testados com acompanhamento jurídico;
· A articulação com redes internacionais de turismo ético e sustentável;
· A produção de conhecimento jurídico que inspire outros territórios plurais e turísticos.
O turismo em Macau não precisa apenas de regulação mas também de reinvenção. O Direito pode ser instrumento dessa transformação, se for capaz de escutar, imaginar e cuidar. Este modelo jurídico transformador não é apenas técnico. É ético, simbólico e político. É uma proposta para que o turismo seja também travessia, justiça e mundo.
· Lei n.º 33/2022 - Regime Jurídico do Turismo da RAEM
· Lei n.º 11/2013 - Regime Jurídico do Património Cultural
· Organização Mundial do Turismo (2023). Tourism and Ethics
· Santos, B. (2018). Epistemologias do Sul
· Rawls, J. (1971). A Theory of Justice
· Foucault, M. (1979). O Nascimento da Biopolítica
· UNWTO (2024). Tourism and Social Justice Framework
· Direcção dos Serviços de Turismo – Plano Estratégico 2025
Epílogo: O Direito como Travessia Turística
Esta obra nasceu da escuta atenta ao território, à memória e à promessa que o turismo encerra; a de ser mais do que deslocação, consumo e espectáculo. Em Macau, onde o tempo se dobra entre muralhas coloniais e avenidas digitais, o turismo é também linguagem e o Direito a sua gramática.
Ao longo destes capítulos, procurámos mapear não apenas normas, mas tensões, possibilidades e utopias. O Direito do Turismo em Macau revela-se como campo de disputa simbólica, de regulação ética e de construção intergeracional. A hospitalidade, aqui, não é apenas serviço; é responsabilidade.
Que este livro sirva como convite à reinvenção jurídica de um turismo mais justo, plural e sensível. Que juristas, legisladores, operadores e viajantes encontrem nestas páginas não apenas respostas, mas perguntas que merecem ser feitas. Porque o turismo, afinal, é também travessia e o Direito, se quiser, pode ser mapa.
Materiais Editoriais para Submissão e Lançamento
Sinopse Editorial
Direito do Turismo em Macau: Regulação, Cultura e Futuro é uma obra jurídica e interdisciplinar que propõe uma leitura crítica e transformadora do turismo na RAEM. Combinando análise normativa, reflexão ética e propostas legislativas, o livro percorre os fundamentos históricos, os regimes jurídicos e os desafios contemporâneos do sector. Destinado a juristas, académicos, profissionais do turismo e decisores públicos, esta obra oferece um modelo jurídico inovador, sensível à diversidade cultural, à sustentabilidade e à justiça intergeracional.