JORGE RODRIGUES SIMAO

ADVOCACI NASCUNT, UR JUDICES SIUNT

Entre a Justiça e a Narrativa: A Defesa da Legalidade no Caso Jair Bolsonaro

AJB

HOJEMACAU - GEOTURISMO E PARQUES TEMÁTICOS - LISBOETA MACAU - 1 PARTE - 11.09.2025

 

Independente da ideologia política de cada um o nosso texto propõe uma análise crítica da acção penal movida contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, sustentando a tese de sua não culpabilidade com base em fundamentos jurídicos, constitucionais e processuais. A partir da distinção entre discurso político e prática delituosa, examina-se a fragilidade probatória, a ausência de actos executórios, os vícios processuais e os riscos de politização da justiça. O texto defende que o respeito ao devido processo legal é condição essencial para a preservação do Estado Democrático de Direito.

I. Introdução:O Julgamento de um Presidente e o Julgamento de um Símbolo

O Brasil vive, mais uma vez, um momento de inflexão institucional. A acção penal movida contra Jair Bolsonaro, ex-presidente da República, transcende os limites de um processo judicial comum. Trata-se de um julgamento que mobiliza paixões, narrativas e disputas simbólicas sobre o futuro da democracia brasileira. Neste contexto, torna-se imperativo separar o juízo político do juízo jurídico, e reafirmar os princípios que regem o Estado de Direito. A acusação que pesa sobre Bolsonaro como tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito é grave e merece atenção. No entanto, a gravidade da imputação não pode justificar a flexibilização das garantias constitucionais nem a inversão da presunção de inocência. Este texto defende que, à luz dos elementos disponíveis, não há base jurídica suficiente para sustentar a culpabilidade do ex-presidente.

II. A Construção da Acusação: Entre Delações e Minutas

A denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal baseia-se em um conjunto de elementos que, embora politicamente sensíveis, carecem de densidade jurídica.

Entre eles destacam-se:

 ·         A chamada “minuta do golpe”, documento não assinado, não publicado e não executado.

 ·         A delação premiada de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens, cuja espontaneidade e veracidade são objecto de controvérsia.

 ·         Reuniões com militares e aliados políticos, interpretadas como articulações golpistas.

 ·         Discursos públicos, como o pronunciamento aos embaixadores em Julho de 2022.

 Nenhum desses elementos, isoladamente ou em conjunto, configura acto executório típico. A jurisprudência brasileira é clara ao dizer que actos preparatórios não são puníveis, salvo quando expressamente previstos em lei o que não é o caso.

 III. A Tipicidade Penal e a Ausência de Dolo Específico

 O tipo penal previsto no artigo 359-L do Código Penal exige a prática de acto concreto com o fim de abolir o Estado Democrático de Direito. A mera intenção, por mais reprovável que seja, não é suficiente.

 É necessário que haja:

 ·         Dolo específico (vontade consciente de abolir o regime democrático).

 ·         Acto material de execução (como mobilização de forças armadas, decretação de estado de sítio, dissolução de instituições).

 No caso de Bolsonaro, não há evidência de que tenha ordenado, financiado ou participado directamente de qualquer acção com esse objectivo. A acusação baseia-se em inferências, não em provas.

 IV. O Discurso Político e a Liberdade de Expressão

 A criminalização de discursos políticos é incompatível com o regime democrático. A Constituição Federal assegura, no artigo 5º, IV, o direito à livre manifestação do pensamento. O artigo 53, por sua vez, garante imunidade parlamentar para opiniões, palavras e votos.

 Embora Bolsonaro não seja parlamentar, o princípio da liberdade de expressão aplica-se igualmente ao chefe do Executivo. Os seus pronunciamentos, por mais controversos, devem ser interpretados à luz do contexto político e da protecção constitucional. Punir um presidente por palavras, sem vínculo directo com actos criminosos, é abrir caminho para o arbítrio.

 V. A Fragilidade Probatória e o Uso Político da Delação

 A delação premiada é instrumento legítimo de investigação, mas não pode substituir a prova material.

 No caso em análise, a delação de Mauro Cid é o principal elemento da acusação, mas apresenta fragilidades:

 ·         Foi negociada sob pressão, após prisão preventiva.

 ·         Não foi corroborada por documentos ou testemunhos independentes.

 ·         Contém afirmações genéricas e interpretações subjectivas.

 A jurisprudência do STF exige que a delação seja acompanhada de provas externas que confirmem os fatos narrados. Sem essa corroboração, a delação não pode fundamentar condenação.

 VI. A Competência do STF e o Princípio do Juiz Natural

 Outro ponto controverso é a competência do Supremo Tribunal Federal para julgar Bolsonaro após o término de seu mandato. O foro por prerrogativa de função, previsto no artigo 102, I, “b” da Constituição, aplica-se apenas a crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções presidenciais.

 A defesa sustenta que, com o fim do mandato, Bolsonaro deveria ser julgado pela primeira instância, respeitando o princípio do juiz natural. A manutenção do processo no STF pode configurar violação ao devido processo legal e à ampla defesa.

 VII. A Presunção de Inocência e o Devido Processo Legal

 A presunção de inocência é pedra angular do Estado de Direito. Prevista no artigo 5º, LVII da Constituição, estabelece que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

 No caso de Bolsonaro, há uma inversão preocupante: a narrativa pública já o condenou, antes mesmo da conclusão do processo. Essa antecipação da culpa compromete a imparcialidade judicial e fere o princípio da legalidade.

 VIII. O Risco de Politização da Justiça

 A politização do sistema de justiça é um fenómeno perigoso, que ameaça a legitimidade das instituições. Quando decisões judiciais passam a ser interpretadas como instrumentos de disputa política, perde-se a confiança na imparcialidade do Judiciário.

 No caso de Bolsonaro, há indícios de que o processo está a ser conduzido sob forte pressão mediática e política. A velocidade da tramitação, a selectividade das provas e a exposição pública do réu sugerem que o julgamento está contaminado por interesses extra jurídicos.

 IX. A Necessidade de Garantias Institucionais

 Independentemente da figura política envolvida, o processo penal deve respeitar as garantias fundamentais:

 ·         Contraditório e ampla defesa

 ·         Publicidade dos actos processuais

 ·         Imparcialidade do julgador

 ·         Fundamentação das decisões

 ·         Proporcionalidade das sanções

 A violação dessas garantias compromete não apenas o direito do réu, mas a credibilidade do sistema de justiça como um todo.

 X. Conclusão: Justiça, Não Vingança

 O julgamento de Jair Bolsonaro é um teste para a maturidade institucional do Brasil. A democracia não se fortalece com perseguições, mas com respeito à lei. A justiça não pode ser instrumento de vingança política, nem palco de disputas ideológicas.

 Este texto defende que, à luz dos princípios constitucionais, da ausência de provas materiais e da fragilidade da acusação, Jair Bolsonaro não pode ser considerado culpado. O Estado de Direito exige serenidade, rigor técnico e compromisso com a verdade não com a narrativa.

 Jorge Rodrigues Simão 15.09.2025

 

 

 

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